Divã-neando

Apenas humanos

Escrito por Juliana Britto

Todo o mal de que padece a humanidade é causado, por ninguém mais, ninguém menos, que nós mesmos.

Acho que parte da nossa dificuldade em entender o momento e quais os caminhos possíveis de saídas ou respiros, tem a ver também com o fato de partirmos de uma idealização do ser humano e até mesmo dos oprimidos em seus mais diversos graus e situações. Idealizamos a mulher, o negro, o índio, o gay, o trabalhador etc. Ainda que sem querer, esquecemos ou queremos não lembrar dos lados obscuros do humano, como se a dominação e a opressão viesse sempre de cima e de fora.

Somos seres que precisam do grupo para sobreviver, mas que não conseguem viver tranquilamente no grupo, exatamente porque as regras sociais limitam nossos desejos individuais. Somente com a coerção aceitamos os preceitos e, mesmo assim, estamos o tempo todo querendo burlá-los.

O ser humano dá pouquíssima importância à sua vida e à dos outros. Quem nunca soube de alguém que entrou no carro com um motorista bêbado? Quem não conhece cardiologistas, pneumologistas que fumam, pessoas que transam sem proteção, apesar da AIDS e da gravidez indesejável? Para muitos de nós, capacete e cinto de segurança são acessórios dispensáveis e só usamos – quando usamos – para não sermos multados. Infelizmente.

Acho que vivemos sempre em corda bamba desafiando o perigo. Se pudéssemos sublimar isso em atitudes mais criadoras e produtivas, talvez pudéssemos canalizar essa força suicida que há em todos nós. Nesse sentido, é importante investirmos em ações que proporcionem a vivência artística como uma ferramenta potente para termos um mundo menos desigual e injusto. Transformando essa força autodestrutiva em beleza e encantamento. Ainda assim, o ser humano não deixaria de ser seu próprio lobo.

Enquanto não aceitarmos que todos nós, inclusive os outros, somos apenas humanos – uma espécie bem recente, que ainda engatinha – não avançaremos, pois nenhuma idealização é alcançável.

Elegemos um inimigo-mor e canalizamos nosso ódio. Mas ele é apenas mais um, que pensa e sente como ele. Tem poder de decisão, é verdade, e legítima os imbecis, ou os imbecis o legitimam. Ele sairá do poder em breve, direto para a lata do lixo da história, mas os que são como ele, ou os que são indiferentes ao outro continuarão entre nós e em nós. Eis nosso desafio, sobreviver, apesar de nós mesmos.

Sobre o autor

Juliana Britto

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