Pensamentos crônicos

De que mulher estamos falando?

Escrito por Juliana Britto

Dia Internacional da Mulher… Semana da Mulher… Mês da Mulher… mas, de que mulher?

Num país de homens que aprenderam, desde os primórdios, a defender os próprios umbigos, apenas a própria família, não sei sobre que mulher vocês estão falando.

Será sobre a mulher bonita, recatada e do lar?

A minha prima, minha filha, a nossa primeira-dama?

A mulher negra reduzida a objeto e instrumento de trabalho?

A mulher gostosa que você quer apalpar, recortar o sexo, os seios, a bunda, a vulva e se divertir em segredo?

A mulher abandonada que precisa se virar para sustentar os filhos?

A mulher que estuda, se prepara, é competente e não consegue ganhar o mesmo salário que os homens e nem ocupar lugar de chefia?

A mulher que gosta de ser dona de casa, mãe e esposa?

A mulher que ora, que reza, faz ladainha e pede força a Deus para suportar sua sina, ao invés de pedir coragem para abandonar a opressão? Deus é pai, é masculino, não é?!

A mulher que é dona do próprio corpo e quer sentir prazer e ser respeitada?

A menina-mulher que aprende que o pai teria ficado muito mais feliz se em seu lugar tivesse nascido um filho homem, um macho?

A mulher psicanalisada que tem que ouvir que é um homem castrado? “Me desculpe, senhora, essa teoria já foi superada”. Será?

A mulher que toma cerveja no bar com amigas e amigos, que vai para a balada e escolhe o que vestir?

A mulher que trai, que tem amantes e volta leve para casa?

A mulher que não ama os próprios filhos, pois não escolheu a maternidade?

A mulher violentada, estigmatizada, rejeitada e culpada dos abusos que sofre?

A mulher que oprime suas empregadas domésticas, que permitem que os filhos dessas perambulem sozinhos pelo prédio e morram?

A mulher juíza, advogada, pastora, ministra, que querem a mulher submissa?

A mulher puta que trabalha honestamente vendendo aquilo que lhe pertence?

A mulher que vive de aparência e se mutila na academia e no esteticista para mudar de pele e de shape?

A mulher indígena, a migrante, a exilada, a gorda, a mirrada?

A mulher solidária?

A mulher solitária?

A mulher que ama sua companheira e sabe como dar prazer?

A mulher que ama seu companheiro e descobrem juntos o prazer da partilha?

A mulher que nunca teve um orgasmo?

A mulher que não sai de casa porque não tem como se sustentar?

A mulher que “se garante” casando-se com homem rico?

A mulher discreta, a fingida, a sonsa ou a que gosta de “causar”?

A mulher que escreve e nunca será uma escritora ponto. Será apenas uma escritora mulher?

A mulher que quer mais, que quer menos?

A mulher que sangra, que resseca, que acolhe, amamenta e, também escarra?

A mulher do vizinho que foi assassinada com 20 facadas na frente dos filhos?

 A mulher que se suicidou no domingo passado?

A que vive de ansiolíticos, álcool ou drogas e sai linda nas fotos do Insta?

A vereadora, a menina Ágatha, a menina Nardoni?

Sua mãe, sua avó, sua tia, sua filha, sua namorada, sua ex?

A travesti, a lésbica, a drag queen?

A mulher-trans?

A presidenta?

A catadora de lixo?

A professora? A cientista?

A estilista, a aviadora, a cirurgiã?  

De que mulher estamos falando?

Sobre o autor

Juliana Britto

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