Texto: Patrícia Librenz
O dia das mães está chegando, mas eu não estou aqui para falar da minha incrível experiência no mundo da maternidade. Embora todo mundo saiba como é não ser mãe, nem todo mundo sabe como é não ser mãe por escolha.
Mas por que você não quer ter filhos? / uma mulher só é completa quando se torna mãe / você vai se arrepender! / é uma decisão egoísta / você nunca vai saber o que é o verdadeiro amor / mas quem vai cuidar de você na velhice?. Passei os últimos 16 anos da minha vida ouvindo isso tudo (e muito mais). Por isso que, há aproximadamente nove meses, “pari” o Sem Filhos – um projeto criado para abordar dilemas, reflexões, frustrações e problemáticas em torno da vida das pessoas que não têm filhos por opção, por convicção, por falta de espaço na de agenda, por estilo de vida.
Foi muito interessante tudo o que eu já aprendi nesse curto período. Quando decidi compartilhar um pouco da minha experiência, algumas coisas a respeito da cultura patriarcal, que ainda não estavam tão evidentes para mim, foram ficando mais claras. Outra coisa que eu nunca havia percebido é que a maioria das pessoas estão tendo filhos sem nenhuma reflexão do que de fato isso significa, estão apenas presos a convenções sociais. Desconheço quem tenha sido encorajado a questionar-se sobre isso desde a infância – querer filhos é algo INQUESTIONÁVEL na nossa sociedade. É a regra hegemônica. Ponto.
Não estou dizendo que é o seu caso, mas posso afirmar que a maioria dos pais (70%) acabam simplesmente tendo filhos por acaso, acidentalmente; e outra parte planeja sua vida como se fosse um roteiro (namorar, noivar, casar, comprar uma casa e ter filhos), sem nunca sequer se questionarem se é isso que desejam, mas acreditam piamente que sim, pois as pessoas estão culturalmente condicionadas a isso.
A grande vitória do patriarcado
Há séculos que a reprodução não é mais uma questão de sobrevivência: hoje ela é socialmente imposta à espécie humana – e virou instrumento de dominação. Explico: o modelo atual de maternidade foi criado pelo sistema patriarcal para aprisionar e oprimir pessoas do gênero feminino. Esse sistema, de fato, teve uma “grande sacada”: doutrinar as mulheres, condicionando-as à maternidade, excluindo-as da vida pública e restringindo-as à vida privada. A menina geralmente ganha sua primeira boneca antes do primeiro aniversário, e cresce acreditando que ser mãe é o seu maior sonho e seu maior desejo.
Ainda hoje, há pouco espaço na sociedade para se questionar e debater a maternidade e suas consequências. É por isso que o patriarcado é um sucesso de público e de crítica: porque essa é a forma mais eficiente de manter a ordem social inabalável: quanto mais filhos as mulheres gerarem, mais presas ao ambiente doméstico elas ficarão (essa é a principal diferença entre a maternidade e a paternidade: o homem não abre mão de quase nada). E é exatamente isso que a sociedade quer: que as mulheres fiquem quietinhas dentro de casa, e de preferência que nem conversem muito entre si, que é para não caírem na real!
Este texto não é só para quem não quer ter filhos
Nos perfis do Sem Filhos nas redes sociais, eu gosto de estourar a bolha e falar sobre esse tema com todos os públicos – exatamente como estou fazendo aqui. Não quero convencer ninguém a não ter filhos, tampouco vejo problema das pessoas desejarem ter filhos (não sou childfree radical, nem antinatalidade).
Mas, assim como eu respeito a vontade dos outros, gostaria de ter o meu desejo de não ser mãe respeitado. Todavia, há quem entre nesse ciclo vicioso de “cobrar filhos” dos amigos e familiares. Não importa qual a sua intenção e como é sua experiência na maternidade/ paternidade: algumas pessoas simplesmente não estão dispostas (nem interessadas) em vivê-la. Então, não seja esse tipo de gente.
Ser questionado pode ser desconfortável
O curioso é que, apesar da minha decisão só impactar a minha vida e a do meu marido, por alguma razão isso incomoda muito os outros. Estou sempre me justificando para o mundo (até para desconhecidos) sobre o porquê tenho quase 40 anos, sou casada e, mesmo assim, não tenho filhos. Mas o contrário não acontece; então, ultimamente eu tenho gostado de devolver a pergunta – “E você, por que você quis/quer ter filhos?” – e ficar apreciando a cena. As pessoas não estão preparadas para essa pergunta (elas só querem interrogar, não esperam ser questionadas, e então ficam se debatendo e não conseguem responder). É uma experiência antropológica (recomendo)!
Meus interlocutores quase nunca sabem argumentar com desenvoltura, então, coincidentemente, as respostas geralmente são sempre as mesmas. Mas teve uma vez que ouvi: “Sabe que eu não sei por quê? Só sei que eu quero, sempre soube. Desde criança tenho vontade…”. Como é possível saber algo dessa envergadura desde criança? Eu arriscaria dizer que isso é fruto de uma doutrinação ideológica.
O exemplo ensina
Há quem diga que quem opta por não ter filhos são pessoas que não gostam de crianças e, na verdade (embora algumas pessoas não curtam muito mesmo), a maioria só não quer ser responsável por uma. Porque, gente, vamos combinar: educar um serumaninho exige tempo, dedicação, dinheiro, paciência, resiliência e uma vontade absurda de abdicar da própria existência para viver em função do outro.
E, mesmo nunca tendo sido mãe, há quase duas décadas venho observando a vida das minhas amigas mães e (com todo respeito a elas e a todas as mães) percebi que não quero isso pra mim. Tenho repulsa à ideia de perder minha liberdade, de tomar uma decisão que será impossível de voltar atrás.
E não me venha com essa de que “ah, mas o sorriso compensa tudo!”, porque romantizar sofrimento (ninguém padece no paraíso) está completamente démodé. Pra mim, o meu sorriso compensa mais: encerrar o expediente e decidir o que fazer com o meu tempo livre me faz feliz pra caralho.
[…] também não precisaria me explicar pra ninguém se não quisesse ter filhos. E, acaso os tivesse, bastaria ser um pai de Instagram e pagar uma pensão merreca, e absolutamente […]