Divã-neando

Solidão e solitude

Escrito por Mayara Godoy

Quando é que ficar só deixa de ser prazeroso e começa a ser torturante?

Em diversas ocasiões, viralizaram na internet imagens de pessoas fazendo coisas do cotidiano – como almoçar ou ir ao cinema – sozinhas, e a inquietante pergunta: “liberdade ou solidão?”.

Eu sempre me peguei um pouco perplexa com isso porque, na minha concepção, o que tem de admirável, espantoso ou chocante em alguém fazer alguma coisa sozinho?

Como eu moro sozinha há muitos anos, e avulsa que sou, para mim é a coisa mais normal do mundo ir almoçar sozinha, ir ao cinema sozinha, viajar sozinha, curtir uma noite de filme com queijos e vinhos sozinha… Enfim, apreciar a minha própria companhia e fazer tudo que eu quero ou preciso fazer ao melhor estilo me, myself and I.

Fazer as coisas no meu ritmo e do meu jeito, no meu tempo, sem dar satisfação nem pedir permissão pra ninguém… Solidão? Pra mim, isso sempre foi sinônimo de liberdade – respondendo ao questionamento do internauta.

Mas há quem chame de solitude, um momento de “glória de estar sozinho”, nas palavras do pensador Paul Tillich. Assim, a solitude seria um isolamento voluntário, quando você se (re)conecta consigo mesmo, aprecia o seu momento, coloca os pensamentos em ordem, olha para dentro, busca compreender suas emoções. Poético, né?

Acontece que, mesmo sendo uma pessoa que lida bem com a solitude, isso não me impede de, ocasionalmente, sentir solidão.

A solidão, vocês sabem, é dolorosa, uma falta, um vazio.

Pois bem. Acredito que muita gente, nesta interminável pandemia, teve a oportunidade de experimentar a solidão. Não apenas quem mora só como eu, mas até mesmo quem coabita com familiares, colegas de quarto ou cônjuges e filhos, muito provavelmente sentiu solidão em pelo menos algum momento deste último ano.

Porque a solidão – ao contrário da solitude – não é intencional. A solidão não é meramente estar sozinho, mas querer uma companhia e não poder tê-la. É uma sensação de dor e abandono.

Neste cenário pandêmico que estamos vivendo, não podemos nos reunir com nossos familiares, frequentar festas de amigos, sextar num bar aglomerando no balcão em busca de uma cerveja, ser espremido e melecado de suor alheio num show, paquerar um desconhecido na balada, ficar de papo à toa com a vizinha na calçada.

As possibilidades de companhia nos foram tiradas, e a solitude nos foi forçada, transformando-se, assim, em solidão, pura e simples.

Além da dor das mortes, do medo da doença, da angústia de não saber quando seremos vacinados e poderemos voltar à vida normal, ainda somos massacrados diariamente pela solidão.

Essa solidão que nos aperta o peito e nos arranca lágrimas, que nos roubou os abraços e os sorrisos, que nos transformou em prisioneiros de nossos próprios lares e congelou nossas vidas num hiato indefinido. Pra essa solidão, infelizmente, só existe uma cura, e ela nos está proibida: o calor humano.

Sobre o autor

Mayara Godoy

Palestrante de boteco. Internauta estressada. Blogueira frustrada. Sarcástica compulsiva. Corintiana (maloqueira) sofredora. Capricorniana com ascendente em Murphy. Síndrome de Professor Pasquale. Paciente como o Seo Saraiva. Estudiosa de cultura inútil. Internet junkie. Uma lady, só que não. Boca-suja incorrigível. Colunista de opiniões aleatórias. Especialista em nada com coisa nenhuma.

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