Geral Sem meias palavras

Respeito e consciência

Escrito por Bruno Zanette

Condenado por estupro ocorrido em 1987, o técnico Cuca se manifestou sobre o caso.

O técnico Cuca se manifestou pela primeira vez sobre a condenação de estupro de uma menina de 13 anos, ocorrido na Suíça, no ano de 1987, durante uma excursão do Grêmio, time pelo qual jogava na época. A condenação foi anulada recentemente, o que não significa que o treinador tenha sido inocentado do caso. A vítima faleceu em 2002, aos 28 anos, de causas não especificadas.

O longo discurso, escrito segundo ele com a ajuda da esposa e das filhas, foi lido durante a coletiva de imprensa, logo após a goleada do Athletico sobre o Londrina por 6 a 0, válida pelo Campeonato Paranaense.

“Escolhi me recolher durante muito tempo e mesmo assim pude seguir minha vida. Uma mulher que passa por qualquer tipo de violência não consegue seguir com a vida dela sem permanecer machucada. O impacto dura pra sempre! Eu pude levar a minha vida contornando a história porque o mundo do futebol e dos homens em que vivo não tinha me cobrado nada. Mas o mundo está mudando, acho que para melhor, e por isso estou me dando conta de que não adianta eu entender o que é ser um grande treinador, pai, avô e esposo, se eu não entender que o mundo é feito de outras coisas além do futebol, e que eu faço parte disso também.”, iniciou Cuca.

De fato, o mundo está mudando. Infelizmente foram necessários mais de 30 anos para a sociedade se dar conta da gravidade da situação e cobrar atitudes, respostas. Quando aceitou dirigir o Corinthians em 2023, a pressão por parte da torcida foi tanta, que Cuca precisou pedir demissão. Na ocasião, ele preferiu não se manifestar. Não fosse toda a pressão popular e da imprensa, provavelmente o caso seria abafado, esquecido. Isso é tudo que abusadores e criminosos querem que aconteça.

O mundo segue sendo muito machista e o futebol é apenas um reflexo da sociedade. Cuca acerta no momento em que diz que o ensinamento e a educação precisam começar nas categorias de base. “Acho importante que os homens que estão nesse processo de busca de entendimento como eu, fiquem perto da meninada da base, dos nossos filhos, netos, sobrinhos. Precisamos dar a eles a oportunidade de não errarem como tantos homens de muitas gerações erraram. Porque é ali que a gente consegue sensibilizar, colocar pra pensar, orientar. Todos deveriam entender o que venho aprendendo: Sucesso e dinheiro não servem pra nada se você se perder pelo caminho”.

O discurso de Cuca ganha importância também pela representatividade que tem o cargo de técnico de um time da Série A do Campeonato Brasileiro. Homens são muito corporativistas. No futebol, então, parece ser ainda pior. Poucos, ou praticamente ninguém se manifestou sobre os casos recentes de Robinho, condenado na Itália por estupro coletivo e que segundo o Superior Tribunal de Justiça (STJ) terá que cumprir a pena no Brasil (ainda cabe recurso), e Daniel Alves, condenado na Espanha pelo mesmo crime, mas agindo sozinho. Justiça espanhola, aliás, que determinou fiança de 1 milhão de euros pela liberdade provisória do ex-atleta. Estipulou o preço para se cometer um crime bárbaro e sair impune. “Quero usar a voz que tenho para, ao mesmo tempo que me educo, educar também outros homens a falar sobre esse tema, principalmente com os jovens que amam futebol. Masculinidade, poder, sucesso repentino. Tudo isso é um desafio pra qualquer jovem. Muitos se perdem. De repente, ganham fama, dinheiro, a vida muda muito rápido. Somos levados a pensar que podemos tudo, inclusive desrespeitar as mulheres”.

Ainda há muito por se fazer e avançar no direito das mulheres. Que essas palavras ditas pelo técnico Cuca não fiquem somente no discurso. Mas, como o próprio fez questão de lembrar em sua fala, não se trata somente sobre ele, que nem chegou a cumprir pelo menos parte da pena pela qual foi condenado. A questão é muito mais complexa e precisa da ajuda de todos. O respeito é o melhor caminho para começar essas mudanças.

Sobre o autor

Bruno Zanette

Jornalista nascido e formado em Foz do Iguaçu-PR. Adora falar e contar histórias, por isso o rádio foi veículo onde mais trabalhou. Mas é na escrita onde costuma se expressar melhor. Gosta de um bom rock, livros, filmes e esportes (assiste bem mais do que pratica). Torce e sofre pelo Grêmio, não exatamente nessa ordem. Apesar de bem-humorado, gosta de piadas de humor bem duvidoso, e acha que a melhor maneira de rir é de si mesmo. Por isso, acredita que a própria vida poderá servir de inspiração para boas crônicas e contos. E tudo o mais que vier na telha para escrever.

Comente! É grátis!