Pensamentos crônicos

A mala verde

Escrito por Leitor / Leitora

Às vezes, malas carregam mais que bagagens. Carregam histórias.

*Por Luiz Fernando Kiihl Matias

Malas sempre foram interessantes para mim. Lembro da alegria da minha mãe quando comprou uma mala que tinha rodinhas e era gigante, cabia no porta-malas do Tempra que a minha família tinha. A alegria dela era porque ali cabia a roupa da família inteira (não que a família fosse grande, éramos quatro pessoas) e não tinha que levar várias malas. Mas eu ainda acredito que o que mais alegrava ela eram as quatro rodinhas, que faziam aquele típico barulho quando passam no rejunte de uma peça do piso para outro. Sei lá, acho mesmo que eu gostava mais daquela mala gigante que a minha mãe.

Eu achava que nunca seria adulto suficiente para usar uma mala, mas cheguei nessa idade. E eu tenho uma mala. Ela é verde, de tecido, velha, muito suja. Aquelas antigas malas que nossos pais usavam, sem rodinhas, simples, muito diferente das malas de hoje. Sim, pois me sinto um tiozão de oitenta anos quando ando com a minha mala pelo aeroporto ou rodoviária. Tá bom que na rodoviária me sinto mais em casa do que no aeroporto, talvez porque na “casa dos avião” as malas sejam mais arrumadinhas (eu acho que existe até esse negócio de moda para malas) do que na rodoviária, onde a maioria das pessoas está mais preocupada com quem vai dividir acento que com a mala dos outros.

Mas, essa mala, quadrada, suja, que tem os zíperes quebrados de tanto abrir e fechar, não é só uma mala. Ela estava comigo quando fui para a faculdade, ela estava comigo quando fiz a minha primeira viagem sozinho de ônibus no auge dos meus quinze anos para passar as férias com a minha avó em São Paulo. Ela estava comigo quando meu coração apertou na primeira vez que viajei de avião sozinho, ela estava comigo quando… ela sempre esteve comigo.

Essa mala, que de tão usada, rasgou. Na minha última viagem para Buenos Aires ela simplesmente rasgou, deu sinais de que seus anos de aeroportos e rodoviárias estão chegando ao fim – se já não chegaram. É um sinal da morte para a mala, ela sente que seu tempo já chegou ao fim. Percebo como ela se sente na esteira, quando ao seu lado está uma mala com um design melhor, com rodinhas e zíperes inteiros, eu vejo sue cansaço, suas rugas…

Mas, o que fazer? Jogá-la fora ou consertar? Será que existem médicos de malas? Espero que existam, pois sempre que estou com ela, sinto como se meu pai estivesse me dando a mão numa viagem difícil, pois eu só sou usuário da mala que um dia ele comprou e com ela conheceu o mundo.

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