O vento que sacudia os coqueiros do prédio vizinho me trouxe, com a brisa que prometia a chuva, essa lembrança. No anúncio de um temporal que não caiu, me fez pensar em como eu adorava esses momentos quando criança. Era aquela correria na casa da minha avó, alguém saía num desespero de fim de mundo pela porta da cozinha pra recolher as roupas do varal, com direito a pregadores voando por causa da pressa em puxar as peças da cordinha.
A gente tinha que fechar as janelas pra não molhar dentro da sala, e cobrir os espelhos da casa – reza a lenda que atraíam relâmpagos. Também era a hora de desligar a TV e tirar os eletrodomésticos da tomada. E as tarefas pré-dilúvio incluíam, ainda, levar um barril pro lado de fora da área de serviço, que seria enchido com a água da chuva pra lavar o quintal depois.
Eu gostava daquela agitação, os sons altos me davam um misto de medo e ansiedade, e todos aqueles rituais eram divertidos pra mim. O cheiro da chuva encharcando a terra sempre me deixava feliz, e mal sabia eu que hoje em dia ele indicaria que, por alguns dias, isso significaria um alívio, já que hoje eu sofro com a baixa umidade do ar.
Quando tinha granizo, tentava sempre pegar alguma pedrinha, e nunca chupava o gelo, porque minha vó dizia que beber água da chuva fazia mal. Ai de quem ligasse o chuveiro nessa hora, a profecia era de que o infeliz morreria com uma descarga elétrica. E se chovia demais e acabava a luz, a casa ficava logo cheia de velas acesas, e às vezes minha vó até acendia um lampião, que nos anos 90 já era uma raridade pra se ter à mão. Sempre havia alguém pra contar histórias que não me deixariam dormir, mas eu gostava mesmo era de brincar de fazer bichos com as mãos nas sombras.
Hoje em dia, o vento e os trovões ainda me levam a essas memórias, mas o medo e a ansiedade agora se juntam a preocupações de gente grande. As janelas estão trancadas? A rua vai encher? Tem alguma árvore caída pelo caminho? Meu barbudo está em local seguro? Será que a luz vai acabar hoje à noite? Já deixo a vela e os fósforos sobre a mesa.
Qualquer notícia sobre temporal na minha cidade natal faz meu coração afundar, e já me pego pensando no pior. Ainda hoje, conversando com minha vó sobre como o clima está louco e esquenta e esfria em questão de minutos, ela dizia que agora, sempre que chove forte, ela passa a noite em claro temendo um desabamento na região, onde a incidência é cada vez maior.
É triste notar como diante até dos fenômenos naturais a idade adulta aguça nosso instinto de sobrevivência, mas também estraga nossos pequenos prazeres. A maturidade está sempre ali, pra nos fazer sempre lembrar que somos um ínfimo nada diante da força da natureza. Que ficar ilhado ou sem luz é perrengue. Que o granizo machuca e faz estragos. Que o vento pode carregar tudo o que se custou muito para construir. Que meia hora de água céu abaixo pode acabar com a vida de muita gente.
O cheiro da chuva ainda me é um afago nos sentidos, e o vento que sacode as árvores também faz meus cabelos roçarem no rosto de um jeito gostoso. O barulho do granizo ainda me faz querer parar a mão pela janela para alcançar algumas pedrinhas. Mas a consciência não me permite mais saborear essa felicidade além de uns poucos segundos, antes da preocupação.