Quando moleque, a cidade do Rio tinha como assunto corriqueiro e fervilhante para a classe jornalística: as aterrorizantes brigas de baile. Com uma multidão dividida em duas metades – lado A e lado B – nossos tradicionais e (à época) nada glamourizados bailes funk tinham a corriqueira e justa fama de violentos.
Dividida ao meio e cheia de gente, a quadra se tornava uma praça de guerra. Uma linha se formava delimitando a fissura daquele mar de gente. Não havia meio termo. No meio, apenas o vazio, que era preenchido por golpes e ataques de lado a lado. A selvageria também atingia o futebol de maneira bem similar, apenas o local era diferente.
Toda ponderação seria vetada, nenhuma lucidez era permitida em meio ao cenário caótico e triste que se formava. Interesses inúteis e com gosto duvidoso ou suspeito serviam como um plano de fundo para o que ocorria sempre.
Mais de 20 anos se passaram. É claro que algumas brigas permanecem, nos bailes e nos estádios, mas não tenho como negar a diminuição da sua recorrência e a maneira como ocorrem. Talvez, no pior dos sentidos, tenham se sofisticado. No cenário ideal, a ponderação se fez presente e as pessoas evoluíram. Creio que não.
Em um baile chamado Brasil, promovemos aquilo que podemos fazer de pior para nós mesmos. Viciados por um plano binário, sedentos por identificação e ideologias, tomados pela seletividade e amplificados pelas redes sociais, patinamos na lama.
O eleitor, que deveria pensar, se rende ao prazer politicamente nocivo da torcida. É possível que essa espécie eleitoral exista desde sempre. Melhor dizendo: sabemos que não é novo, mas espanta a quantidade e a cegueira. Pode parecer pedante, mas não é. Eu também tenho meus interesses, minhas crenças e afinidades.
Creio que independente do espectro político que cada um tenha, pensar segue sendo grátis e recomendável. É possível defender suas convicções sem abrir mão do bom senso. É preciso compreender que a confiança presente em um voto não pode e nem deve ser irrestrita e vitalícia. Contrariar fatos é mais do que difícil, é feio.
Sem que baste apenas a defesa irrestrita aos políticos de estimação, temos o aprofundamento da crise moral e intelectual que nos assola quando agimos como gado e nos recusamos a escutar o outro lado e propagando mentiras. Minha mãe diz que pessoas inteligentes escutam o mundo para que possam entender e aprender.
Finalmente, mas não menos vergonhoso, vemos a cruzada contra aqueles que se posicionam pelo diálogo ou percebem valor em propostas de cada espectro político. Nessa hora, o discurso do “nós contra eles” arrasta para uma separação ainda mais mórbida em que o problema não é apenas o pensamento contrário, mas a falta de endosso à integralidade dos discursos.
Enquanto isso, caminhamos juntos para um colapso. Onde o bom senso não tem vez, é impossível esperar que algo possa ocorrer de diferente. Nenhuma flor nasce no vácuo.