A mulher adulta que não tem celulite que atire o primeiro pote de Naara a primeira pedra, porque hoje eu vou descascar esse quase mito, esse sonho utópico de perfeição, essa questão subcutânea que atinge e devora a autoestima de muita gente.
Confesso que a celulite não é a maior das minhas preocupações estéticas, e na verdade, muitas vezes, nem lembro que ela existe. Mas, nessa minha doutrinação da barra, onde eu vejo minha celulite o tempo todo, por sinal, comecei a seguir no Instagram uma belíssima pole dancer profissional, a Deborah Rizzo, que falou do assunto, e que me inspirou a escrever esse texto.
A bailarina contou em seus stories sobre uma seguidora que havia lhe enviado uma mensagem, em que elogiava uma de suas apresentações humilhantes maravilhosas, mas também perguntava a Deborah como ela lidava com a própria celulite. A seguidora disse ainda que sua atenção quanto a esse “problema” havia aumentado por conta de um comentário feito por sua personal trainer. E aí é que vem a indignação: pode ter sido inofensivo ou ingênio, mas foi um comentário que fez surgir um daqueles efeitos dominó que saem gongando a autoestima alheia em massa.
Deborah fez desse limão uma belíssima limonada suíça, e aproveitou para apelar às mulheres para que não alimentem ou despertem esse tipo de neura em si e em outras pessoas. E que vejam seus corpos como mais que um pedaço de carne, com ou sem celulite ou outras imperfeições – o que, num mundo normal, é o que a gente deveria fazer mesmo: ligar o f*da-se pra isso e seguir a vida.
Porém, essa é uma questão muito mais profunda que furinhos de celulite. Temos vivido por décadas com a valorização corpos de revista sendo tidos como o ideal. Nas redes sociais, todo mundo quer uma versão de si com tratamento de imagens e maquiagem de reboco profissional. Sem contar que sempre surge no mercado uma nova fórmula mágica ou um procedimento estético que promete corpos firmes e lisinhos. E isso nos envenenou, nos fez achar inadmissível ter essas “imperfeições”. Mais que isso: nos fez endeusar celebridades, atletas, modelos ou qualquer pessoa que mostre corpos considerados perfeitos, definindo-os como “superiores” por sua estética.
Estamos tão presos nesse mundo de Photoshop que, quando uma mulher notável e famosa por sua beleza aparece em fotos “normais”, lá vem uma enxurrada de comentários maldosos. Aconteceu recentemente com Cleo Pires naquela foto do maiô, em que muitos homens, mas também mulheres, criticavam a aparência da atriz. Eu ouvi pessoas dizendo que Cleo estava acabada quem me dera, gorda, horrorosa, e “como ela tem coragem de publicar uma foto assim?”. E não foi só esse episódio, eu poderia sentar minha bunda (cheia de celulite também) aqui e escrever por uma semana inteira sobre as vezes em que fui testemunha desse tipo de comentário, e sobrariam histórias.
Agora, pense: se as mulheres já têm dilemas demais quanto à forma como se enxergam, ao ponto de muitas se mutilarem, se sacrificarem e moldarem seus corpos na tentativa de alcançar um padrão de “perfeição”, o que esse tipo de comentário não é capaz de fazer? Já é difícil se aceitar, já é difícil não se comparar a outras pessoas, e é ainda mais difícil não invejar ou se sentir inferior por ver que há exemplares de corpos “esteticamente melhores”. Por que colocar mais uma caraminhola na cabeça – seja na sua ou na de outras mulheres?
Celulite, estrias, barriguinha, gordurinhas – e até a falta delas – são partes normais de todo mundo. Essas ditas “imperfeições” são comuns, e pasme: elas não vão te matar. Por isso, não deveriam ser motivo para ninguém perder o sono, a fome, a vontade de usar uma roupa ou a coragem de se mostrar. São coisas que não podem atrapalhar sua vida social, pessoal, profissional. E elas podem até incomodar a você, mas você não deveria envenenar outras mulheres com isso.
Créditos da imagem: Ilona Frey – Pixabay