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Brasileiro, futebol e a cara de pau

Escrito por Bruno Zanette

E, de repente, desperta no SBT um súbito interesse em transmitir futebol. Uma partida do Flamengo, de relação próxima ao presidente. Um total de zero pessoas surpresas.

Incrível a capacidade que o brasileiro tem de ser cara de pau. Senão, vejamos: O Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), canal criado por Silvio Santos em 1981, não transmite um torneio nacional de futebol desde o Campeonato Paulista de 2003, quando revelou o ótimo Paulo Andrade, hoje narrador dos canais ESPN.

Agora, a emissora do senhor Abravanel adquiriu os direitos de transmissão da segunda partida da final do Campeonato Carioca, entre Flamengo e Fluminense, quarta-feira, dia 15 de julho, às 21h no Maracanã e com mando de campo do time rubro-negro.

Os caras não têm nem equipe própria de Esportes, tendo que pedir a liberação da Fox Sports para poder contar com o narrador Téo José, o mesmo que já teve passagens pelo canal paulista, nos tempos em que lá era transmitida a Fórmula Indy.

Por que esse interesse repentino do SBT pela editoria de Esportes? Bom, primeiro porque o Flamengo está com uma briga declarada contra a Rede Globo. O clube tem todo o direito de querer receber mais pela transmissão de seus jogos, mas me estranha essa atitude partindo de um dos times que mais recebeu cotas de TV nos últimos anos. Cotas essas, responsáveis por boa parte da receita das equipes do futebol brasileiro.

Sim, a televisão, no caso a Globo, paga aos times para poder transmitir os jogos e não é pouca coisa. Somente em 2019, o Grupo Globo, correspondendo TV aberta e canais fechados, desembolsou mais de 1 bilhão de reais com os 20 clubes da Série A do Brasileiro. Desse montante, R$ 66,7 milhões foram destinados para a equipe da Gávea. Os números foram divulgados por um levantamento do próprio site do Globo Esporte.

Historicamente, os times com maior torcida no país – Flamengo e Corinthians – recebiam a maior parte, por conta da maior audiência. Esse critério tem mudado, tentando tornar a distribuição mais justa. Depois também passou a entrar o Grupo Turner, dono do Esporte Interativo e canais TNT, Space, entre outros. Os clubes negociam diretamente com as emissoras.

O presidente do Flamengo, Rodolfo Landin, é muito próximo ao presidente Jair Bolsonaro, tendo participado de algumas reuniões em Brasília recentemente (espero que tenha feito teste do covid, pois sabe como é, né!?). Após uma dessas reuniões, Bolsonaro publicou no Diário Oficial da União (DOU) uma Medida Provisória (MP) que permite aos clubes mandantes negociarem com a emissora que pretenderem os direitos de transmissão da partida, independente se o time visitante estiver acertado com outro canal. Porque antes, o jogo não poderia ser transmitido se não tivesse acordo das duas equipes. No Campeonato Carioca, Flamengo e Globo não chegaram a esse acordo, que é válido entre as partes somente para o Campeonato Brasileiro, Libertadores da América, Copa do Brasil, etc.

Como não vinha tendo acordo com nenhum canal, o Flamengo utilizou sua equipe da FlaTV (hoje, qualquer clube tem canal próprio no YouTube), e passava os jogos por lá. Com uma transmissão institucional, bem distante do bom jornalismo esportivo. Mas, agora, por que o SBT?

Porque Silvio Santos é puxa-saco de Bolsonaro, a ponto de suspender o principal telejornal da casa, para não apresentar notícias “negativas” do presidente. Não bastasse isso, o genro de Silvio Santos, o deputado federal Fábio Faria (PSD-RN), é o novo ministro das Comunicações. Fábio é marido de uma das filhas de SS, a apresentadora Patrícia Abravanel.

Não tenho só boas lembranças do futebol na Globo, não. Odiava aqueles horários das partidas tarde da noite. Algo que a emissora determinava, por estar pagando. E desde que começou esse negócio de exclusividade nas transmissões de TV, os trabalhos das rádios nos jogos ficaram muito limitados, com repórteres não tendo mais direito de entrar num gramado para entrevistar jogador ou treinador antes da partida ou no intervalo dela, sendo esse espaço apenas do pessoal das televisões.

Não me sinto animado para assistir qualquer partida de futebol no Brasil, enquanto milhares de pessoas continuam perdendo a vida para a covid-19. Não era a hora dos campeonatos recomeçarem aqui no país. Mas se for para assistir, ainda prefiro a voz rouca de um Galvão Bueno, do que ver uma partida transmitida em um canal onde o dono Topa Tudo Por Dinheiro.

Sobre o autor

Bruno Zanette

Jornalista nascido e formado em Foz do Iguaçu-PR. Adora falar e contar histórias, por isso o rádio foi veículo onde mais trabalhou. Mas é na escrita onde costuma se expressar melhor. Gosta de um bom rock, livros, filmes e esportes (assiste bem mais do que pratica). Torce e sofre pelo Grêmio, não exatamente nessa ordem. Apesar de bem-humorado, gosta de piadas de humor bem duvidoso, e acha que a melhor maneira de rir é de si mesmo. Por isso, acredita que a própria vida poderá servir de inspiração para boas crônicas e contos. E tudo o mais que vier na telha para escrever.

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