Sem meias palavras

Cada um com seus problemas

Escrito por Mayara Godoy

Muitas vezes, a gente só quer ajudar. Mas, a linha entre tentar ajudar e se intrometer na vida alheia é muito tênue.

Vocês já devem ter ouvido, eu certamente já ouvi muito ao longo de meus mais de trinta anos, que “cada um com seus problemas”, certo?

Na prática, seria o equivalente a dizer que não devemos nos intrometer nos problemas alheios. O infortúnio de levar essa frase ao pé da letra é que isso significaria jamais ajudar alguém que estivesse precisando, certo?

Mas, nós fazemos justamente o oposto disso o tempo todo! Já perceberam como temos a mania incontrolável de dar palpite na vida alheia? Isso tem um lado bom e, como tudo na vida, um dark side.

É claro que nós, seres humanos, somos projetados geneticamente para sermos seres sociais, ou seja, para vivermos com outros, para formarmos grupos, comunidades, famílias. E isso implica que, muitas vezes, um problema não seja de uma pessoa só.

Ainda assim, quando o é, a gente instintivamente gosta de ir lá meter o nosso bedelho porque, em tese, quem está de fora enxerga melhor certas coisas do que quem está imerso naquela treta.

Porém, nem sempre a nossa ajuda é bem vinda, e há momentos em que ela se transforma em intromissão. Vou tentar exemplificar.

Vamos supor que você tenha uma amiga que esteja num relacionamento horrível e viva reclamando do namorado para você. Num primeiro momento, o que você faz? Ouve as lamentações dela e despeja um monte de conselhos, tentando ajudá-la a sair dessa, não é? Afinal, quando alguém que a gente gosta está sofrendo, a gente sofre junto, a gente se dói por aquela pessoa como se fosse com a gente.

Mas, meses depois, nada muda, e essa mesma amiga continua com os mesmos problemas, não tomou a atitude que você aconselhou, e prossegue com sua via sacra. O que você faz?

Sinto informar, mas esta é a hora em que o “cada um com seus problemas” começa a valer em sua interpretação literal.

A gente pode ouvir, pode tentar ajudar, pode até dar conselhos (quando solicitados, claro). Mas muitas vezes a gente não pode resolver o problema do outro. E nem deve.

Conheço gente que, usando a carta de “eu só estava tentando ajudar!”, ultrapassa todos os limites possíveis e imagináveis, e se torna uma pessoa invasiva e inconveniente.

Muitas vezes, por mais que a gente tenha a melhor das intenções – e até na hipótese remota de estarmos certos sobre a vida do outro -, a gente tem que deixar as pessoas viverem o que elas precisam viver e passarem pelo que elas precisam passar. Ainda que, olhando de fora, pareça absurdo, as pessoas muitas vezes precisam sofrer algumas coisas, e devem trilhar o caminho delas, obter as experiências e aprendizados por si próprias. Nossas vastas teorias e ensinamentos jamais terão o mesmo efeito que o sujeito fazer as próprias cagadas e sentir na pele as consequências.

Então, por melhor que seja a sua intenção de ajudar alguém, é preciso ter em mente que até isso tem limite. Tem uma linha até onde a gente pode ir. A partir dali, é preciso entender que “eu já fiz a minha parte” e “boa sorte, meu amigo”.

Sei que a tentação de interferir é grande, principalmente quando a pessoa fica insistindo no mesmo erro, ou pior, comete um erro que VOCÊ já cometeu e você sabe no que vai dar. Você quer ir lá e dar um chacoalhão na criatura para ver se ela acorda. Mas, acredite, ela precisa fazer as próprias escolhas, ainda que erradas.

Então, a melhor coisa que você pode fazer é deixá-la viver o que ela tem para viver, e estar lá caso ela caia depois. Sem julgamentos, sem “eu avisei”. Apenas uma mão para ajudá-la a se levantar e, quem sabe, um ombro para ela chorar (de novo).

No fim das contas, muitas vezes é, sim, “cada um com seus problemas”, mas também: “estou aqui para você”.

Sobre o autor

Mayara Godoy

Palestrante de boteco. Internauta estressada. Blogueira frustrada. Sarcástica compulsiva. Corintiana (maloqueira) sofredora. Capricorniana com ascendente em Murphy. Síndrome de Professor Pasquale. Paciente como o Seo Saraiva. Estudiosa de cultura inútil. Internet junkie. Uma lady, só que não. Boca-suja incorrigível. Colunista de opiniões aleatórias. Especialista em nada com coisa nenhuma.