Correspondência

Carta aberta ao Nippon

Escrito por Patrícia Librenz

Despedidas nunca são fáceis, muito menos quando nos despedimos de nossos amigos caninos.

Meu querido Nippon Black de Akido San,

Sei que culpa é um sentimento humano, cães não o compreendem. E, quer saber? Vocês estão certos! Mas tem sido muito duro conviver com esse sentimento esses anos todos em que fiquei longe de você. Ao mesmo tempo que, racionalmente, eu sei que é inútil sentir essa culpa, é muito difícil me livrar dela. Não consigo me perdoar por ter deixado você no Rio Grande do Sul. Você teve um lar, mas não teve a vida que eu gostaria que tivesse tido ao meu lado. Preciso que saiba que, se eu tivesse outra escolha, teria feito; mas trazer você para morar comigo em um apartamento de 42m² não parecia nada razoável para um cão do seu porte.

Tive a sorte de ter ganhado você de um criador de dobermans. Embora você tenha passado por outros lares antes de chegar até mim, saiba que não tinha absolutamente nada de errado contigo. Você sempre foi um cão incrível, que chegou praticamente adulto à minha casa, mas desde o primeiro momento entendeu e aceitou sua nova família. Seu temperamento era extremamente dócil e muito sociável, assim você ganhou rapidamente o coração de todos – e a sua cara de mau só enganava a quem não o conhecia de verdade. Sinto saudades de ser recebida por ti no portão, trazendo na boca uma bola de vôlei toda babada, e de ver o seu respeito à matilha, não se importando em ser submisso a uma lhasa apso de oito quilos.

Você sempre foi um bom menino, Nippon. Sequer consigo lembrar de alguma coisa errada que tenha feito. O problema nunca foi você, nem seu tamanho, nem seu apetite infinito por comida e brincadeiras. Eu é que tomei a decisão de mudar de vida e pensei que você seria mais feliz em um lugar com mais espaço. Você não foi o único que ficou pra trás; tive a sorte de conseguir excelentes tutores para todos os meus cães, seus irmãos foram para ótimos lares, somente a Envy veio comigo.

Foi difícil me separar de todos eles, mas foi especialmente difícil me separar de você, pois, embora você fosse o cão que estivesse há menos tempo comigo, foi o que mais expressou a tristeza no momento da nossa separação. Eu jamais esquecerei aquele seu olhar, praticamente me implorando pra não te abandonar. Até hoje essa lembrança dilacera meu coração. Você chorou como uma criança quando foi embora e eu sofri por muitos anos com essa lembrança. Sei que você me amou profunda e incondicionalmente, e eu não pude retribuir todo esse amor à altura – e carrego uma culpa imensa por isso. 

Mais de um ano depois, eu fui te visitar, lembra? Você já tinha outro nome – Astor – , mas quando eu o chamei por seu antigo nome lá de cima, você imediatamente começou a girar e a rebolar de felicidade dentro do seu canil. Acho que você nunca se esqueceu de mim, né, amigão? Eu também jamais esqueci de você. Durante todos esses anos, nunca deixei de pensar em você. E acho que nunca vou conseguir superar tê-lo pedido para a vida que escolhi. 

Aos longo desses 11 anos, precisei elaborar três lutos por você. O primeiro foi quando nos separamos; o segundo, quando fui visitá-lo sem poder trazê-lo comigo. Ter que me despedir novamente doeu tanto quanto da primeira vez – por isso que eu optei por não voltar lá. Eu não voltei mais porque não queria sofrer, mas eu nunca deixei de te amar. Vê-lo e ter que ir embora de novo me machucou de uma forma irreparável. Quando estive contigo novamente, senti como se você ainda fosse meu, mas não tinha mais como te ter de volta. 

Sabe, Nippon… Eu sonho contigo com certa frequência ainda, e é impossível não chorar ao escrever este texto. Por isso que, depois de todos esses anos, decidi ter notícias suas, para tentar lidar melhor com isso. Sei que cães de grande porte não vivem tanto, então, eu sabia que era pouco provável que você ainda estivesse vivo. Descobri que você já se foi há alguns anos. Contudo, como só soube oficialmente esta semana, aqui estou eu no meio do meu terceiro luto por ti. 

Eu sinto muito que você tenha tido um final tão trágico e dolorido, e por eu não estar lá durante seu último suspiro. Sem dúvida, você merecia ter sido cuidado por mim até o final da sua vida. Apesar da nossa pouca convivência, você entrou no meu coração de uma maneira avassaladora. Poucas pessoas que passaram pela minha vida me tocaram da maneira como você o fez. Além disso, você era quem trazia segurança ao nosso lar, pois não deixava que nenhum estranho se aproximasse do portão, cuidando de mim e todos os seus irmãozinhos caninos.

Sei que errar é humano, mas perdoar é canino. Então, espero que você, de onde estiver, me perdoe por eu ter falhado na minha missão de te cuidar. Descanse em paz, meu anjinho!

Saudades eternas da sua mãe de coração.

Sobre o autor

Patrícia Librenz

Mãe de dois gatos, um autista e outro que pensa que é cachorro. Casou com um veterinário, na esperança de um dia terem uns 837 animais. Gaúcha no sotaque, pero no mucho nos costumes. Radicada em Foz do Iguaçu desde 2008, já fez mais de 30 mudanças na vida. Revisora de textos compulsiva, apaixonada por dicionários. A louca do vermelho. A chata que não gosta de cerveja. A esquisita que não assiste a séries. Dona da gargalhada mais escandalosa do Sul do Mundo. Mestra em Literatura Comparada, é fã de Machado e Borges, mas ignorante de Clarice Lispector e intolerante a Paulo Coelho. Não necessariamente nessa ordem.

1 comentário

  • Sou aquele sujeito que conversa com cães de rua. Lamento a sua perda. Sou amigo da cachorrada, mas também gosto de gente. Mas também não nego que, muitas vezes, os cães são melhores do que nós.

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