A tragédia de Brumadinho fez um ano. Reescrevendo: o crime em Brumadinho fez um ano. Daqui a pouco, outro crime fará aniversário: o incêndio no Ninho do Urubu. E também teve o desabamento dos prédios irregulares no Rio de Janeiro. Mas, o tempo passa, e a gente esquece. O absurdo, o trágico, o desumano. Tudo perde lugar pro cotidiano, pra rotina. Afinal, todo mundo tem conta pra pagar, um parente doente, e cada vez que liga a TV se depara com novos escândalos, novas desgraças. E a gente esquece. Nossa empatia com quem perdeu tudo vai diminuindo e dando lugar às nossas próprias preocupações. Vivendo nesse Brasil de más notícias em doses de 8 em 8 horas, a gente acaba se afundando nos próprios problemas e nas próprias dores, e esquece.
Você lembra quanto tempo faz que o avião dos jogadores da Chapecoense caiu? Quantos anos já se passaram desde Mariana? Alguém sabe se estão pagando pelas vidas perdidas na Boate Kiss? Sai um documentário aqui, uma notícia relembrando a tragédia ali, mas no dia a dia, a gente esquece. Esquece e não cobra. Esquece e deixa acontecer de novo. Porque vêm novas eleições e a gente continua deixando corruptos tocarem o barco. A gente esquece, e deixa a história se repetir em outros lugares. Ou debaixo do nosso nariz mesmo.
A gente esquece, e fica apático diante da impunidade de empresas bilionárias que enterram gente viva. De um time – o meu time – que carrega multidões, que é amado mundo afora, mas que envergonha seus torcedores perante as famílias daqueles que morreram sob o seu teto. Diante de governos que desviam o dinheiro que deveria refazer a cidade e as vidas de quem viu suas poucas posses levadas por uma enchente, como aquela na região serrana do Rio, que ano após ano tende a acontecer de novo. Mas a gente esquece.
Talvez, os tempos estejam tão sombrios que a gente acabe esquecendo pra não morrer de sofrimento e tristeza. Talvez o mundo esteja caminhando pro fim, ou a terceira guerra esteja mesmo batendo à nossa porta, e por isso a gente esquece. Mas a gente já vive uma guerra diária – pelo emprego, pela saúde, pelo direito ao respeito. Tem gente lutando uma guerra por água limpa. Há uma guerra estampada em tantos desastres, em tantos crimes, em tanta injustiça. Os sinais de guerra estão escancarados em tanta desigualdade, em tanto preconceito, em tanta intolerância. E então a gente esquece até que o Estado é laico, diante de uma guerra conservadorista que nos cheira a Inquisição. Tem também a guerra pelo fim da corrupção, que nos cheira a golpe.
É tanta luta, tanta tormenta, que a gente segue sendo levado, se sente atropelado pelas más notícias. Cada nova batalha de tantas guerras vai matando um pouquinho da nossa memória. E isso é o pior, porque em tempos de guerra, a gente esquece até que é humano.