Amor é prosa Relatório de Evidências

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Escrito por Guilherme Alves

O tempo passa rápido demais quando a gente está feliz.

Era o ano de 1996. Ele tinha 18; ela, 16. Até então, não se conheciam. Decidiram, por acaso, fazer o mesmo curso. Ela faltou à primeira aula. Na segunda, chegou atrasada. Quando ela abriu a porta, ele, de curiosidade, se virou para ver quem entrava. Quando os olhos dele se cruzaram com os dela, algo aconteceu. Algo que se parecia com ter sido atingido por um raio.

Ele se sentou ao lado dela, esticou o olho para ver o nome dela na etiqueta do caderno. A cada aula, queria estar sempre perto dela, sentar-se ao lado dela, ouvir a voz dela, conseguir a atenção dela. Mas havia um problema: ele tinha outra. Já há quase um ano firme, tinha medo de trocar o certo pelo duvidoso, de ela não querê-lo e ele ficar sem nenhuma. Mas não conseguia evitar querer a companhia dela. Cogitou, pecado, tentar ficar com as duas, mas também não teve coragem. Só lhe restava tentar ficar o máximo possível perto dela.

E, de tanto que ele gostava de ficar perto dela, todo mundo começou a notar. Os amigos dela chamavam ele de “o namorado dela”. Os amigos dele chamavam ela de “a outra dele”. E assim foi, uma atençãozinha ali, uma conversinha aqui, até que o ano chegou ao fim, o curso acabou, e não se viram mais. Mesmo morando no mesmo bairro, ela na rua paralela à dele, passaram um ano inteiro sem se ver. Ele e a outra terminaram, ele chegou a pensar em como seria bom reencontrá-la, mas nem por acidente o encontro acontecia.

Mas eis que chega janeiro de 1998, e, com ele, o filme Titanic nos cinemas. Ele havia combinado de ir assistir com sua família, pai, mãe, irmã e primos. Quando ele chega lá, na fila, quem ele vê? Ela. Havia ido com uma amiga com o mesmo intuito, mas, como a procura era muito grande, os ingressos já estavam esgotados (ele e a família dele haviam comprado antecipadamente, prevendo que algo do tipo pudesse acontecer). Na impossibilidade de ver Titanic, ela e a amiga combinaram de ver 007. Ele e ela conversaram antes de entrar na sala, decidiram combinar se encontrar após o filme, para fazer um lanche. A mãe dele chegou a perguntar se ele ainda estava interessado nela – é claro que estava.

Só que o acaso deu as caras mais uma vez: o filme do 007 tinha duas horas, o do Titanic tinha três. Nenhum dos dois havia se lembrado disso, de forma que, quando ela saiu, o procurou, achou que ele tinha desistido, e foi embora. Quando ele saiu, a procurou, achou que ela tinha desistido, e foi embora.

Parecia que não era pra ser.

Porém, algum tempo depois, a mãe dele foi à padaria, e quem encontrou lá comprando pão? Ela. Comentando com ela a história, descobriu o verdadeiro acontecido, e decidiu pegar o telefone dela para passar para ele – o qual ela anotou em um panfleto de propaganda de curso de inglês, o único papel que tinha em mãos na hora.

Curiosamente, nessa semana, ele estava combinando de ir com uns amigos ao cinema. Ver provavelmente o filme menos provável de que alguém convide uma pessoa na qual está interessado da história do cinema: Spawn, o Soldado do Inferno. Não querendo perder mais uma oportunidade, a convidou assim mesmo. Ela aceitou sem nem perguntar qual era o filme.

O filme era ruim de doer, mas, durante os créditos iniciais, aconteceu, finalmente, o primeiro beijo.

E estão juntos até hoje.

Foi 22 anos atrás, mas ele se lembra como se tivesse sido ontem.

E era Valentine’s Day, ora vejam só.

Sobre o autor

Guilherme Alves

Nascido numa tarde quente de verão no Rio de Janeiro, casado aparentemente desde sempre, apaixonado por idiomas (se pudesse, aprenderia todos). Professor de inglês porque era a única profissão que parecia fazer sentido, blogueiro porque gosta de escrever desde que a Tia Teteca mandava fazer redação. Coleciona DVDs, tem uma pilha de livros que comprou mas ainda não leu maior que uma pessoa (de baixa estatura) e um monte de jogos de tabuleiro que não tem tempo de jogar. Fanático por esportes, mas só para assistir, porque é um pereba em todos eles. Não se pode ter tudo na vida.

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