Folheando o livro Retratos, da fotógrafa Dadá Cardoso, li no prefácio (se não me engano, escrito pelo Jabor) uma sentença que me marcou: Já sabemos que somos cebolas, com cascas sucessivas que nos fazem (às vezes) chorar. Não poderia concordar mais.
Somos todos cebolas. Ora doces, ora ácidos. Deixamos um gosto prolongado na boca alheia. Somos muitas camadas: a pele, coberta de pelos, por baixo esconde gordura, veias, tecidos musculares, nervos, órgãos e ossos. Mas também somos camadas de sentimentos, de ideias, de desejos, de vergonhas e de questões mal resolvidas.
Mantemos uma casca que nos protege, e também serve para nos mostrar aos outros como belos e perfeitos, quando dentro, muitas vezes, estamos definhando, podres, guardando bem lá no fundo as raízes de problemas, frustrações, tristezas.
E, enquanto cebolas, somos constantemente descascados. Despetalados, abertos ao meio. Alguém com uma lâmina afiada de coragem ou ousadia é capaz de nos arrancar, camada por camada, e nos expor até o centro do que tentamos esconder. O que nem sempre é ruim, muitas vezes somos despedaçados de medos e pudores que nos limitavam. Mas, uma vez fatiados, também murchamos, perecemos, e não voltamos ao que já fomos. No máximo, geramos um broto, para uma nova cebola.
Quisera eu ser uma cebola roxa, com camadas firmes e que não se desmantela fácil. Para ser servida crua. Mas hoje me sinto apenas uma cebola amarela na bandeja de hortifruti, com um pouco da palha que é minha casca se soltando, guardando um sabor ordinário e prometendo lágrimas a quem me cortar. Porque cebolas, uma vez despedaçadas, fazem chorar.