Amor é prosa

Meu velho era foda.

Escrito por Leandro Duarte

Esta semana completam 2 anos que o velho mais foda que eu conheci nos deixava. Saudade.

Esta semana completam 2 anos que perdi meu coroa.

Era uma Sexta-Feira Santa, 30 de março. Eu estava no aeroporto, iria passar o feriado de Páscoa na casa de parentes em outro estado, ia desopilar um pouco do clima de hospital e de ver o meu coroa assim, de ver um sujeito tão forte definhar daquele jeito.

Havia passado a noite de quarta para quinta com ele. Corinthians x São Paulo, semifinal do Campeonato Paulista. Gol do Rodriguinho as 48 minutos do segundo tempo e vitória nos pênaltis. Eu não pude gritar. Meu pai já não estava consciente. Mesmo sendo Santista, tenho certeza que iria soltar uma gargalhada ao me ver pulando, comemorando e xingando em silêncio naquele quarto de hospital. Foi muito legal ver esse jogo do lado dele.

Mas o que quero falar nessas linhas é o quanto aquele velho foi foda em vida. Ao lado de minha mãe, criou oito filhos, eu disse OITO filhos, tendo como armas apenas um martelo, um serrote e uma coragem que causaria inveja a qualquer herói de macacão colorido dos quadrinhos. Comeu o pão que o diabo amassou, trabalhou como um touro, entregou sua saúde para que nenhum dos seus filhos ficasse sem o jantar. Meu velho era foda.

O velho era muito inteligente. Carpinteiro, construiu telhados e madeiramentos que eram verdadeiras obras de arte. Me lembro de, quando criança, acompanhá-lo em orçamentos de novas obras. Após entender o que o cliente queria, passava alguns instantes visualizando em silêncio o serviço pronto, fazia de cabeça cálculos que hoje eu não faço nem com calculadora em mãos. Grau de inclinação necessário, quantidade exata de sarrafos, vigas, pregos, etc. Meu velho era foda.

Um homem simples, não frequentou escola, precisou trabalhar cedo. Falo simples no melhor dos sentidos. Viveu de forma simples, se relacionou de forma simples, e ensinava pelo exemplo. Sisudo para o que era sério e para os puxões de orelha, divertido e carismático para todo o resto. Gostava da casa cheia, dos filhos perto, do barulho, apenas pra nos mandar aquietar. Meu velho era foda.

Tenho muito orgulho do homem que foi meu pai, tenho muito orgulho dos ensinamentos que ele me passou, pelo exemplo que nos deu, por ser um homem justo, honesto, um homem que sabia que as pessoas são mais importantes que os números, um pai dedicado, um avô incrível . Guardo na pele esse orgulho. Espero um dia ser digno de ser filho desse cara. Meu velho era foda

Saudade, pai, te amo.

Sobre o autor

Leandro Duarte

Leandro, 33 anos, ganha a vida em projetos e TI, talvez por isso sem a menor paciência para toda essa bobagem nerd e cultura pop. Em resumo, inadequado. Grande demais para a poltrona do ônibus de todos os dias.
Pequeno demais para sorrir de tudo. Velho demais para um banho de chuva; muito novo para temer o resfriado. Direto demais para a palavra escrita, e de menos para se fazer compreender. Humano demais para viver de tecnologia. Humano de menos para largar tudo. Comunista demais para os dias de hoje. Comunista de menos para o que é preciso ser feito.
Mesmo inadequado, segue peleando. Como era de se esperar, falhando miseravelmente.

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