Todo dia é sempre tudo igual. Do quarto pro escritório improvisado na sala. Senta em frente à tela para mais um dia de labuta misturada com notícias. Não vai ser uma gripezinha que vai me derrubar. Até quando tenta se esquivar, elas caem no colo, nos grupos do zap, em qualquer rede social. Notícia ruim, opinião não solicitada, fake news, mais notícia ruim. O povo saberá que foi enganado por esses governadores e por grande parte da mídia nessa questão do coronavírus. Do escritório improvisado para a cozinha. Da cozinha para o banheiro. Do banheiro para o sofá. Do sofá para o quarto. Durma com esse barulho: 25 mortos.
Todo dia é sempre tudo igual. O presidente do Brasil é o mesmo merda. Mais uma fala asquerosa, mais um crime cometido. Vai morrer gente, não tem jeito. A pandemia dá um duplo twist carpado na cara da sociedade: 175 mortos. As pessoas se estapeiam online sobre quem vale mais: a vida ou a economia. Morto consome? Ah cara, eu não sou coveiro. Os negacionistas não usam máscaras. Quem tem fome tem pressa. O pobre se aglomera na marra para pagar mais uma conta que não é dele: 2.588 mortos.
Todo dia é sempre tudo igual. A terrível sensação de que caminhamos para o abismo. E daí? Os privilegiados conscientes, trabalham em casa, não abraçam os familiares há semanas, imploram para que todos respeitem o isolamento social. Lamento. Quem não tem como escolher se joga na rua, com máscara se tiver medo, sem máscara se tiver fé, ou se for cretino mesmo, tem muita gente assim no mundo. Quer que eu faça o quê? Os vizinhos fazendo churrasco e as lives no último volume. Não dá para ouvir a falta de ar de quem já não tem mais um leito disponível. Eu sou Messias, mas não faço milagre. 5.083 mortos.
Todo dia é sempre tudo igual. Angústia, ansiedade, medo, desespero, raiva. Tudo se repete, os mesmos sentimentos, a mesma dor. Brasileiros à mercê da própria sorte e da ignorância de quem deveria evitar a tragédia. 101 mil infectados.
Todo dia é sempre tudo igual. A única coisa que muda é o número de brasileiros que perderam a vida. 7.025 mortos. Esse número, infelizmente, não para de subir.
*Em negrito, citações do atual presidente da República, Jair Bolsonaro e os respectivos números de mortes de brasileiros pelo Covid-19 no período de cada fala. Os números de 101 mil infectados e de 7.025 mortos é referente ao momento do fechamento deste texto: 03 de maio de 2020, às 19h40.