Enquanto o vizinho martela, martela.
Eu me encontro pensando, ralhando
De que valem essas tardes de descanso de tela
Emolduradas no quadrado da janela
E pra muitos o mundo segue acabando
Enquanto a obra ao lado daquele predinho safado
Que corre acelerada no dia parado
Me inunda a sala com o som de seu maquinário,
Transmutando o que deveria ser meu santuário
Num retrato barulhento de onde vivem os otários
Através da moldura barulhenta posso ver a Serra
A qual subia todos os dias antes do fim do mundo
Subia só pra conseguir dinheiro que nos mata
E saía o mais cedo possível daquela terra.
Hoje olho para essa serra atrás da fumaça da usina
E que saudade eu tenho de quem tá la em cima
Enquanto o vizinho martela, martela
Eu corto o tédio com faca de rocambole,
Um trago, um gole, um remédio, seja qual for a ordem
E só assim esse tempo duro se torna mais mole.
Leio mais uma página e já perco o foco
Escrevo mais uma linha e volto para o copo
E pau no cu do Bolsonaro! Você é culpado!