Era uma terça-feira à noite. Eu estava com insônia após muitas semanas dormindo, relativamente, bem. E a insônia não gosta de ficar sozinha. Ela traz os pensamentos e eles corroem.
No imenso gaveteiro que possuo em meu cérebro ansioso crônico, logo percebi que era a gaveta do medo que estava aberta. Previ a crise de ansiedade chegando, pois com o tempo isso se tornou mais fácil para mim. O difícil mesmo é sair dela.
Durante a crise, vários pensamentos terríveis povoaram meu imaginário. Enquanto tentava respirar fundo, focar em uma sombra conhecida do quarto, tatear minha cama para entender que estava segura, comecei a ouvir um barulho estranho. Logo me ocorreu que poderia ser fogo.
E se fosse um incêndio? O que faríamos?
Levantei assustada e colei os ouvidos na parede. Queria descobrir que som era aquele. Fui pelo escuro – pessoas insones e sonâmbulas têm quase um talento para andar no breu – até que percebi que vinha do apartamento de cima. Ouvi passos e tudo aparentava estar bem.
Deitei novamente, um pouco mais calma. De repente, mais barulho. Dessa vez um som alto e persistente. Como Linus, o cachorro que estava particularmente reativo naquela semana, estava calado, eu não liguei uma coisa à outra. Imaginei que fosse o alarme super potente de um carro estacionado na rua. Mas não parava.
Levantei novamente e Glauber acordou também. Quando abri a porta do meu quarto, as pernas amoleceram.
Era o alarme de incêndio do nosso prédio.
Não podia ser uma simulação às duas da manhã. Na portaria, sinal ocupado. Vesti uma calça qualquer, Glauber uma bermuda, peguei Linus no colo – estava quieto por medo do barulho – e descemos correndo pelas escadas.
19 andares.
Quando outros vizinhos entraram nas escadas percebi que estávamos sem máscara. Mais desespero. Nunca imaginei que seria possível descer tão rápido essa quantidade de degraus. O sentimento de ter tido uma premonição me assolou. Eu mal conseguia respirar.
Lá embaixo, ainda com as pernas bambas e o coração na boca, o alarme continuava. Vizinhos com malas, cobertas, máscaras e a gente ali, sem nada além do que mais importava naquele momento: nós mesmos e o nosso pequeno.
Incrível como na hora do terror a única coisa que me importava era o Linus e o Glauber. Nada material, nada terreno. Eu me apeguei a esse amor e rezei silenciosamente pelas nossas vidas e as dos vizinhos.
Por sorte, era um problema no alarme do segundo andar. Imaginei como deve ser devastador estar em uma situação real de incêndio. Pensei em todos os que perderam suas vidas, casas e entes queridos para o fogo.
Agradeci. Pela vida, pelo amor, pelo lar intacto, pelos privilégios de sempre. Por, no fundo, saber que a vida é uma só. Por compreender que não estamos sós.