Num país de homens que aprenderam, desde os primórdios, a defender os próprios umbigos, apenas a própria família, não sei sobre que mulher vocês estão falando.
Será sobre a mulher bonita, recatada e do lar?
A minha prima, minha filha, a nossa primeira-dama?
A mulher negra reduzida a objeto e instrumento de trabalho?
A mulher gostosa que você quer apalpar, recortar o sexo, os seios, a bunda, a vulva e se divertir em segredo?
A mulher abandonada que precisa se virar para sustentar os filhos?
A mulher que estuda, se prepara, é competente e não consegue ganhar o mesmo salário que os homens e nem ocupar lugar de chefia?
A mulher que gosta de ser dona de casa, mãe e esposa?
A mulher que ora, que reza, faz ladainha e pede força a Deus para suportar sua sina, ao invés de pedir coragem para abandonar a opressão? Deus é pai, é masculino, não é?!
A mulher que é dona do próprio corpo e quer sentir prazer e ser respeitada?
A menina-mulher que aprende que o pai teria ficado muito mais feliz se em seu lugar tivesse nascido um filho homem, um macho?
A mulher psicanalisada que tem que ouvir que é um homem castrado? “Me desculpe, senhora, essa teoria já foi superada”. Será?
A mulher que toma cerveja no bar com amigas e amigos, que vai para a balada e escolhe o que vestir?
A mulher que trai, que tem amantes e volta leve para casa?
A mulher que não ama os próprios filhos, pois não escolheu a maternidade?
A mulher violentada, estigmatizada, rejeitada e culpada dos abusos que sofre?
A mulher que oprime suas empregadas domésticas, que permitem que os filhos dessas perambulem sozinhos pelo prédio e morram?
A mulher juíza, advogada, pastora, ministra, que querem a mulher submissa?
A mulher puta que trabalha honestamente vendendo aquilo que lhe pertence?
A mulher que vive de aparência e se mutila na academia e no esteticista para mudar de pele e de shape?
A mulher indígena, a migrante, a exilada, a gorda, a mirrada?
A mulher solidária?
A mulher solitária?
A mulher que ama sua companheira e sabe como dar prazer?
A mulher que ama seu companheiro e descobrem juntos o prazer da partilha?
A mulher que nunca teve um orgasmo?
A mulher que não sai de casa porque não tem como se sustentar?
A mulher que “se garante” casando-se com homem rico?
A mulher discreta, a fingida, a sonsa ou a que gosta de “causar”?
A mulher que escreve e nunca será uma escritora ponto. Será apenas uma escritora mulher?
A mulher que quer mais, que quer menos?
A mulher que sangra, que resseca, que acolhe, amamenta e, também escarra?
A mulher do vizinho que foi assassinada com 20 facadas na frente dos filhos?
A mulher que se suicidou no domingo passado?
A que vive de ansiolíticos, álcool ou drogas e sai linda nas fotos do Insta?
A vereadora, a menina Ágatha, a menina Nardoni?
Sua mãe, sua avó, sua tia, sua filha, sua namorada, sua ex?
A travesti, a lésbica, a drag queen?
A mulher-trans?
A presidenta?
A catadora de lixo?
A professora? A cientista?
A estilista, a aviadora, a cirurgiã?
De que mulher estamos falando?