Relatório de Evidências

Janelas anônimas

Escrito por Mayara Godoy

As janelas existem há milhares de anos, e dia após dia comprovam suas inúmeras utilidades.

Diz a história que a primeira janela – ou, pelo menos, a primeira abertura em uma parede – remonta lá pra época de 4.000 A.C. Sem dúvidas, uma das maiores invenções da humanidade.

Uma solução tão simples, mas gigante em genialidade: uma fresta para o mundo, que nos permite olhar pra fora, sem sair de casa. Um artefato que nos dá poderes de espionagem, que nos permite assuntar a vida alheia, olhar o movimento da rua, averiguar como está o clima e, de quebra, “deixar a casa respirar”.

Da mesma forma, as janelas permitem a quem está de fora olhar para dentro. Este pequeno recorte geométrico na parede nos permite expor frações da nossa intimidade, fragmentos da nossa vida. Ser a vizinha pelada ou o vizinho barulhento.

Incontáveis vezes, me peguei exercendo este duplo papel – ora de observadora, ora de observada. Fecho as cortinas quando não quero que me vejam. Bloqueio a visão dos olhares curiosos. Me isolo no meu mundo particular.

Mas, do outro lado, também pratico minha curiosidade. Não consigo evitar, ao olhar para um prédio, imaginar quem mora ali, que tipos de famílias habitam aquele local, se as casas deles também são bagunçadas como a minha, se eles têm pets, crianças, se só vive ali um solteirão solitário, se existe um casal de idosos, se eles cultivam plantas, se assistem TV até tarde… Não sei. São todos anônimos, aleatórios, pessoas comuns, tão absortos em seus próprios mundos quanto eu. Ou você.

Na minha cabeça, crio histórias sobre eles, dou apelidos, imagino cenas, abaixo o volume da televisão para ouvir melhor. Entretenho-me com a vida alheia tal qual uma telespectadora de reality show.

E, tudo bem, não precisa sentir culpa se você também faz isso. Bisbilhotar a vida dos outros, às vezes, é mais instintivo do que parece. Não fosse assim, as mídias sociais não teriam o poder que têm. Mas, entre fuxicos analógicos e digitais, sigo sendo fã das janelas – as das paredes mesmo -, pois ali não existe filtro, retoque, maquiagem, pose, texto ensaiado, meme ou trend. Só vida real. E essa é a melhor que existe para se ver – e viver.

Sobre o autor

Mayara Godoy

Palestrante de boteco. Internauta estressada. Blogueira frustrada. Sarcástica compulsiva. Corintiana (maloqueira) sofredora. Capricorniana com ascendente em Murphy. Síndrome de Professor Pasquale. Paciente como o Seo Saraiva. Estudiosa de cultura inútil. Internet junkie. Uma lady, só que não. Boca-suja incorrigível. Colunista de opiniões aleatórias. Especialista em nada com coisa nenhuma.

Comente! É grátis!