Texto: Murilo Alves Pereira
O Murilo é jornalista, apreciador de cervejas artesanais, divulgador da ciência, pai de pet e cronista nato. Suas principais inspirações são a sua esposa, Érica, e o filho felino, Roger.
Sentei diante do computador para escrever um texto quando vi ali, parado e me olhando, Roger, o gato. Não tinha notado sua chegada, nem reparei quanto tempo ele me encarava. Quando viu meu interesse, o gato iniciou seu habitual movimento de aproximação: desfilou até o pé da mesa, tateou o ar com a cabeça para medir a distância, saltou. Passou sobre o teclado com suas patas de pantufas, esbarrando em algumas teclas.
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E continuou o desfile até a janela que estava fechada. Sequer teve a honradez de virar o pescoço e me olhar nos olhos. Ficou apenas aguardando.
“Tá, gato. Pode ir!”, disse eu, abrindo o vidro.
E ele saiu.
Ficou ali o fim da tarde, sob a janela do escritório no segundo andar do sobrado. Com o sol a bater em seus bigodes, o gato observava o farfalhar das aves (estes bichos menos nobres), sentia o vento forte chacoalhando as copas das duas grandes árvore e acompanhava aquela moça loira recolhendo as roupas do varal lá embaixo.
Voltei ao meu texto e quando quase surgiu a ideia para começar a escrever algo, o gato me desconcentrou novamente. Na janela, ele se espreguiçava com vontade, as costelas arcadas como uma ponte japonesa, a boca escancarada em sua máxima abertura, os olhos esbugalhados formando uma careta. Cansou daquela tarde de preguiça, atravessou a mesa e, novamente, pousou suas patas sobre o teclado.
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“Meu Deus, gato!”
Deu de ombros. Saltou a mesa e foi ver se, lá embaixo, alguma boa alma menos ocupada lhe desse mais atenção.
Eu tinha o compromisso de escrever um texto, mas estava difícil sair uma boa crônica. Coloquei as mãos sobre o rosto e deixei a mente trabalhar. “Talvez devesse tentar um conto”, pensei. “Ou os dois.” Despertei com os gritos de minha minha mulher no quintal ralhando com o gato que cismava em lhe arranhar as canelas.
Pela janela, pude ver o felino correndo em fuga em direção a uma das árvores, três patadas no tronco e já estava lá no alto. Ficou ali parado e, como a mulher não lhe deu trela, voltou a buscar no entorno um pouco de aventura. Parou quando viu que eu o observava lá de cima.
Tentei escrever algo e, ao voltar para a janela, vi que o gato já não estava mais sob a árvore. Mas desta vez deu pra ouvir suas pantufas subindo devagar as escadas. Ele cruzou a porta e, sem cerimônias, subiu outra vez a mesa. E, outra vez, cruzou o teclado.
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Levantei da cadeira. “Já deu!”. Era tarde e, pelo jeito, não sairia texto algum naquele dia. Peguei o gato no colo e fiz um carinho de leve em seu queixo. O bicho se aquietou, fechou os olhos e deixou ser levado escada abaixo até o lado de fora da casa. Fechei a porta de vidro e, antes de subir as escadas, percebi que o gato me olhava com firmeza por trás do vidro.
“Boa noite, Roger!”
Ele miou de volta.
E fui dormir.
EPÍLOGO
Era madrugada, minha mulher dormia profundamente ao meu lado, quando acordei de repente e não consegui retomar o sono. Levantei-me e fui até o escritório ver se conseguia escrever alguma coisa. Abri o notebook, vi que não tinha produzido nada. Na tela, só as letras apertadas nos esbarrões do gato pelo teclado.
Olhei com mais atenção e percebi um certo padrão nas letras. Por curiosidade, decidi apagar apenas os “g” e os “a”.
Tomei um susto quando finalmente me dei conta. E o coração veio a boca ao ver Roger parado ao lado da porta me encarando.
Adorei a sua crônica, muito boa, parabéns, dei boas risadas, tenho dois gatos que se comportam da mesma maneira!!! 😄😄😄