Canto dos contos

Trilogia do João – Episódio III: João e Maria

Escrito por Guilherme Alves

Dois irmãos se perdem na floresta e encontram uma casa feita de doces. Tudo normal até aí.

Era uma vez, um menino chamado João. Que não é o mesmo João dos outros dois episódios, é apenas um homônimo. João tinha uma irmã gêmea chamada Maria. Eles também tinham uma irmã mais velha chamada Rocicleusa, mas isso não é importante para a história. De qualquer forma, João e Maria moravam com sua mãe em uma pequena casa de alvenaria às bordas da Floresta dos Temores Horríveis, uma feia e escura floresta supostamente habitada por seres malignos, dentre eles uma bruxa de mil anos comedora de criancinhas. João e Maria, porém, não acreditavam nessa história, achavam que no interior da floresta havia um parque de diversões com pipoca de graça, e que a lenda da bruxa havia sido inventada pelos adultos porque eles não queriam que as crianças descobrissem esse segredo.

Um dia, aproveitando que sua mãe adormecera enquanto assistia à televisão, João e Maria decidiram sair de casa e explorar a floresta. Para que não se perdessem, eles tiveram uma brilhante ideia: levaram um saco enorme de Confetti, aquelas pastilhinhas de chocolate coloridas, que João costumava vender no ônibus para ajudar na renda da família, e foram marcando o caminho, jogando um Confetti no chão a cada poucos metros. O que eles não contavam é que um fofo coelho chocólatra começasse a segui-los. Assim, quando já estavam irremediavelmente perdidos e olharam para trás, tudo o que viram foi um gordo coelho com a boca suja de chocolate olhando para o saco já vazio.

João e Maria então se desesperaram por não saber onde estavam, mas tiveram uma grande ideia: bastava andar para a frente sem fazer curvas, e eventualmente eles sairiam da floresta pelo outro lado, quando então poderiam pedir ajuda. Durante sua caminhada, algo insólito surgiu à frente dos irmãos: uma enorme casa, feita de bolos, confeitos e chocolates. Como estavam com fome após tanto caminhar, João e Maria puseram-se a comer a moradia, sem imaginar que alguém pudesse de fato viver ali dentro.

Foi quando a porta se abriu e uma bela mulher perguntou por que eles estavam comendo sua casa. Assustados, João e Maria pediram ajuda, pois estavam famintos e sem saber como voltar para casa. A dama os acolheu, lhes ofereceu um farto banquete, e depois os colocou para dormir em camas quentinhas, feitas de muffins. Mas, quando os gêmeos acordaram, a realidade era outra: João estava preso em uma gaiola dourada, enquanto Maria restava acorrentada a uma parede por um grosso grilhão. A mulher então deu uma vassoura e um balde para a menina, e ordenou que ela limpasse toda a casa, pois agora era sua escrava. João, porém, era tratado de forma diferente, recebendo cada vez mais comida e guloseimas, e ficando cada vez mais gordo. Todos os dias a bela mulher media a pança do menino com uma fita métrica, e dizia algo como “está quase no ponto”.

Maria, que não era burra, começou a desconfiar que algo estava errado. Afinal, por que só o menino recebia comida, enquanto ela trabalhava feito um jegue? Um dia, enquanto limpava o banheiro, um estalo veio à sua mente: ela era a bruxa que devorava criancinhas! Maria contou sua teoria ao irmão, que não acreditou. Afinal, a bruxa tinha mil anos, e esta era uma jovem e bela mulher. Convencida de que estava certa, Maria decidiu procurar por provas enquanto limpava o quarto da mulher. Não somente ela encontrou uma certidão de nascimento datada de mil anos atrás, como também várias contas de cirurgiões plásticos e aplicações de botox! Maria também encontrou uma coleção completa da Reader’s Digest, mas isso não é importante para a história. Sua teoria estava confirmada, bastava agora um plano de fuga.

Infelizmente isto não foi possível, já que a bruxa chegou em casa a tempo de pegar a menina no flagra, e decidiu antecipar seus planos. Ela planejava assar João para a ceia de Natal, mas, já que os irmãos haviam descoberto tudo e planejavam fugir, ela iria assá-los hoje mesmo. Untou o tabuleiro, ajustou o forno para 280 graus, e estava pronta para temperar as crianças, quando algo inesperado aconteceu: João estava tão gordo que o fundo da gaiola se partiu, e ele conseguiu escapar. A princípio, João pensou em fugir para pedir ajuda, mas estava tão gordo que só conseguiu caminhar até a porta da cozinha antes de, arfante e levando a mão ao peito, ter de parar para descansar. A bruxa então correu para recapturá-lo, mas Maria foi mais rápida: atravessou o caminho da bruxa, fazendo com que ela tropeçasse em sua corrente e caísse dentro do forno. Mais do que depressa, as crianças fecharam a porta, e este foi o irônico fim da maligna feiticeira, transformada naquilo em que fazia suas vítimas.

João, então, ajudou Maria a partir sua corrente. Os dois estavam finalmente livres, mas ainda havia um problema: como sair da floresta, ainda por cima com João tão gordo e lerdo? Enquanto comiam mais um pouquinho da casa, a resposta literalmente bateu à sua porta. Era o namorado da bruxa, que havia sido convidado para um assado. Após ouvir a história das crianças, ele tomou uma decisão: entregou ambas ao juizado de menores. Afinal, onde já se viu bruxa de mil anos cozinhando crianças no forno?

Hoje, João e Maria residem em um instituto de ressocialização de menores, para lá encaminhados por terem assassinado uma pobre mulher que vivia na floresta e comido sua casa. Sua mãe vai visitá-los todos os dias, e já começou a procurar uma casa bem longe daquela floresta, que tão más recordações traz a esta família.

E todos viveram felizes para sempre.

Sobre o autor

Guilherme Alves

Nascido numa tarde quente de verão no Rio de Janeiro, casado aparentemente desde sempre, apaixonado por idiomas (se pudesse, aprenderia todos). Professor de inglês porque era a única profissão que parecia fazer sentido, blogueiro porque gosta de escrever desde que a Tia Teteca mandava fazer redação. Coleciona DVDs, tem uma pilha de livros que comprou mas ainda não leu maior que uma pessoa (de baixa estatura) e um monte de jogos de tabuleiro que não tem tempo de jogar. Fanático por esportes, mas só para assistir, porque é um pereba em todos eles. Não se pode ter tudo na vida.

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