Canto dos contos

Chapeuzinho Vermelho

Escrito por Guilherme Alves

Pela estrada afora, ela vai bem sozinha.

Era uma vez uma menininha muito bonitinha, que vivia do Lado de Cá da Floresta. O nome dessa menininha não é importante para a história, mas seu apelido era Chapeuzinho Vermelho, pois ela sempre ia a todo lugar com um boné do MST, que ganhara de um menino com quem fez amizade quando as terras de seu vizinho Coronel Totonho foram ocupadas no último verão. A polícia chegou e expulsou todo mundo, mas Chapeuzinho guardou o boné como lembrança daquela época tão feliz.

Mas isso também não é importante para a história. O que importa é que Chapeuzinho recebeu de sua mãe, Dona Chapeuzona, uma importante missão: levar para sua Vovó uma Cesta de Café da Manhã, como presente de aniversário por seus inúmeros anos que nem mesmo a família sabia mais quantos eram. A Vovó de Chapeuzinho decidiu morar do Lado de Lá da Floresta, onde o aluguel era mais barato, portanto, para cumprir sua missão, Chapeuzinho teria de atravessar a floresta, que não tinha nome e era conhecida simplesmente como Floresta, em uma caminhada de várias horas. Provavelmente isso constitui exploração infantil, mas os pais de Chapeuzinho estariam trabalhando naquele dia, então sobrou para a doce garotinha levar a doce cesta para a doce Vovó. Que também não tem nome, sendo conhecida simplesmente como Vovó.

Mas, além da caminhada extenuante, havia outra complicação: na Floresta, morava um lobo, que também não tinha nome, e era conhecido simplesmente como Lobo. Este Lobo era chocólatra, de forma que, ao sentir o aroma das guloseimas presentes na cesta, fatalmente viria ao encontro de Chapeuzinho. Como todo mundo sabe, Lobos, além de chocólatras, possuem o péssimo hábito de comer criancinhas. A mãe de Chapeuzinho, temendo pela integridade física de sua pimpolha, recomendou que ela não desse trela a qualquer criatura estranha que se aproximasse, principalmente se tal criatura perguntasse sobre o conteúdo da cesta e a finalidade de sua viagem. Só para garantir, ela também deu a chapeuzinho um spray de pimenta.

E assim lá se foi Chapeuzinho. Ao invés de ir quieta para não chamar atenção, a burralda decidiu ir berrando aos quatro ventos que ia sozinha, levava doces para a vovozinha, e que o caminho era longo e deserto. Isto acabou por chamar a atenção do Lobo, que se aproximou sorrateiramente e tentou descobrir o conteúdo da cesta. Chapeuzinho, lembrando-se das recomendações de sua mãe, sprayzou a cara do Lobo, que saiu correndo e urrando de dor. Mal sabia chapeuzinho que isso só iria maximizar a ira do canídeo, que agora tramava uma vingança: ele sabia onde morava a Vovó, e iria até lá esperar por Chapeuzinho.

Ao chegar à casa da Vovó, o Lobo bateu à porta, e se identificou como vendedor do Carnê do Baú da Felicidade. Animada com a possibilidade de ganhar prêmios, a Vovó abriu a porta. Foi quando o Lobo saltou sobre ela e a engoliu inteira. Muitos se perguntam como um Lobo pode engolir um ser humano bem maior que ele inteiro, mas a verdade é que a mãe do Lobo era uma Cobra, portanto ele possuía mandíbulas flexíveis e um estômago dilatado. Muitos também se perguntam se depois de comer um ser humano o Lobo não teria que ir hibernar ou coisa parecida, mas ele estava tão sedento de vingança contra a Chapeuzinho insolente que nem considerou este pormenor. O Lobo simplesmente foi até o guarda-roupa da Vovó, escolheu uma camisola, e se deitou na cama, esperando por sua vítima.

Após alguns momentos, Chapeuzinho chegou à Casa da Vovó e bateu à porta, recebendo instruções de entrar. A “Vovó” estava deitada na cama, alegando que estava muito doente, e pediu para que Chapeuzinho se aproximasse. A menina sentiu que algo estava estranho. Tudo bem que ela não via a avó há anos, mas ela parecia muito gorda e peluda. Ao se aproximar, Chapeuzinho teve uma surpresa: não se tratava da Vovó, mas do Lobo! Ao saltar da cama, a primeira providência do Lobo foi zunir o spray de pimenta de Chapeuzinho pela janela. A segunda foi começar a correr atrás da menina, buscando devorá-la. Felizmente, por ter acabado de engolir a Vovó, o Lobo estava pesado, o que dava uma vantagem a Chapeuzinho na corrida.

Para sorte da menina, passava ali por perto um caçador, que também não tinha nome, e era conhecido simplesmente como Caçador. Após um dia inteiro no mato sem encontrar nenhuma caça, o Caçador estava com sede, e foi até a Casa da Vovó para beber um copo d’água e bater um papinho, quem sabe até assistir a uma novela. Aproximando-se, porém, o Caçador ouviu os gritos desesperados de Chapeuzinho, e a risada maligna do Lobo. Compreendendo o que acontecia, o Caçador enfiou o pé na porta e deu um tiro de escopeta no meio dos cornos do Lobo, em uma cena de violência desnecessária jamais vista naquela Floresta. Cansada, suja de sangue e traumatizada para toda a vida, Chapeuzinho correu para abraçar seu salvador. Foi quando todos ouviram os gritos da Vovó, que ainda estava viva na barriga do Lobo. Sacando de sua faca estilo Rambo, o Caçador, que também era um exímio cirurgião obstetra, abriu a barriga do vilão, salvando a Vovó antes que esta fosse digerida.

Após um longo banho, Vovó, Chapeuzinho e Caçador desfrutaram de um belo café da manhã com o conteúdo da cesta. E todos viveram felizes para sempre. Exceto o Lobo.

Sobre o autor

Guilherme Alves

Nascido numa tarde quente de verão no Rio de Janeiro, casado aparentemente desde sempre, apaixonado por idiomas (se pudesse, aprenderia todos). Professor de inglês porque era a única profissão que parecia fazer sentido, blogueiro porque gosta de escrever desde que a Tia Teteca mandava fazer redação. Coleciona DVDs, tem uma pilha de livros que comprou mas ainda não leu maior que uma pessoa (de baixa estatura) e um monte de jogos de tabuleiro que não tem tempo de jogar. Fanático por esportes, mas só para assistir, porque é um pereba em todos eles. Não se pode ter tudo na vida.

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