Correspondência Licença Poética

Todas as mulheres que eu sou

Escrito por Mayara Godoy

Uma mulher nunca é uma só. A infinita complexidade feminina é uma das mazelas e das belezas de ser mulher.

Não se apresse em me decifrar. Eu não sou uma coisa só. Não sou um livro que pode ser julgado pela capa. E, talvez, mesmo após lido por inteiro, ainda restem nuances despercebidas.

Eu, assim como todas as mulheres que conheço, carrego a dor e a delícia de ser várias em uma só. De ser todas, e tantas. Às vezes, de ser muitas ao mesmo tempo.

Não subestime minha complexidade, tentando encaixar-me em padrões. Eu não caibo numa caixinha. Talvez, não caiba em lugar algum. Pois não sou forma esta ou aquela – sou fluida, versátil, metamorfósica.

Eu não me reconheço em arquétipos, estereótipos, rótulos e condutas. Desde que vim ao mundo, tenho sido assim, desajeitada, deslocada e discrepante. Posso ser volátil e constante, dependendo do ponto de vista.

Eu sou sexta-feira à noite e manhã de domingo. Cerveja gelada e café quentinho. Rock ‘n roll e bossa nova. Preto-no-branco e estampas multicoloridas.

Eu sou doce. E firme. E forte. E suave. E enérgica. E indiferente. E apaixonada. E intensa. E ausente. Eu sou aquela que já desistiu e a que ainda sonha. A que cala, e a que grita. A deusa, a louca e a feiticeira.

Eu sou sábia. E ingênua. E minto para mim e para você, pois há momentos em que só quero reconfortar-me em ilusões convenientes. E no momento seguinte caio na real novamente. E me levanto outra vez.

Pois sou como a verdade – tantas vezes nua, frequentemente crua, costumeiramente inconveniente. E inexorável.

Eu provavelmente não sou o que você imagina, menos ainda o que você espera. E certamente não sou o que você gostaria. Mas seguramente sou mais. E vou além. E posso surpreendentemente ser uma nova versão antes mesmo que você termine de me idealizar. Ou de se decepcionar.

Mas não me tomes por alguém insolente, embora eu possa ser, sim – entre tantas coisas – ligeiramente indomável.

Vários já tentaram me descrever. E falharam miseravelmente. Não por incapacidade ou por desatenção. Talvez, por impaciência. Ou por desdém. De um jeito ou de outro, não conseguiriam. Eu mesma tenho dificuldade também.

Porque, de todas as mulheres que eu sou, tem uma que é metódica e perfeccionista, e gostaria de poder detalhar-se em termos de fórmula, posologia, indicações, contraindicações e efeitos colaterais. Mas, ao mesmo tempo, sou outra, aquela que não se prende a certezas e não quer se limitar a umas poucas descrições taxativas.

E, de tanto ser tantas, aprendi a conviver com minha multiplicidade. E compreendi que a verdadeira dádiva desta complexidade toda é poder ser a mulher que eu quiser.

Sobre o autor

Mayara Godoy

Palestrante de boteco. Internauta estressada. Blogueira frustrada. Sarcástica compulsiva. Corintiana (maloqueira) sofredora. Capricorniana com ascendente em Murphy. Síndrome de Professor Pasquale. Paciente como o Seo Saraiva. Estudiosa de cultura inútil. Internet junkie. Uma lady, só que não. Boca-suja incorrigível. Colunista de opiniões aleatórias. Especialista em nada com coisa nenhuma.