Relatório de Evidências

Segundo de apreciação

Às vezes, a inspiração que você procura pode ser encontrada em apenas um segundo de uma cena qualquer do cotidiano.

A bolha de sabão gigante voou, penosa, perto de mim. Vi o arco-íris em sua superfície, até que uma saraivada de vento a dividiu em três menores. Mais leves, elas ganharam velocidade, saltaram o parapeito e fugiram das unhas pontiagudas da criança gorda que se agitava ao meu lado. O homem criador das bolhas coloridas caminhava sem medo por entre carros, ônibus, motos e fumaça.

As esferas caíram, lentas. Poucas chegaram a tocar o rio. Quem o fez foram quatro meninos de cueca. Não contavam com a desenvoltura de bolhas, mas tinham pernas, braços e a vontade de nadar naquela tarde quente. E, claro os olhares cuidadosos de dois adultos que os vigiavam enquanto manejavam suas varas de pescar.

A cena seria bucólica, não fosse o barulho das buzinas e as pessoas andando ligeiras atrás de mim, impondo ritmo a meus passos e cerceando meu segundo de apreciação, no alto da Ponte da Amizade.

Sobre o autor

Murilo Alves Pereira

Jornalista científico de formação, observador do cotidiano por vocação, acredita que as histórias acontecem o tempo todo e só esperam ser contadas. Gosta de imaginar um mundo mais literal, onde, por exemplo, Lady Insônia, com sua rouca voz de fumante, não o deixa dormir. E, enquanto não dorme, cria contos tendo como inspirações uma loira e um gato com os quais divide um barraco. Viajante, apreciador de cervejas, divulgador de ciência e colecionador de águas, tem amor por madeiras, plantas e mapas e uma implicância especial pelo uso incorreto de “literalmente”.

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