São 08:45 da manhã. Abro o aplicativo de transporte no meu celular, seleciono o meu destino, pego o elevador e, em cerca de cinco minutos, estou no carro que me levará para o trabalho. Pago pouco mais do que a tarifa do ônibus, sem precisar ir em pé, sem precisar andar até o ponto de ônibus e ter que fugir daquele indivíduo que habita as imediações da Av. Maringá e já falou que se quisesse, me roubava. Às vezes, toca algum clássico dos anos 80 no rádio e meu dia até começa melhor. Essa é a minha experiência com “os Uber” da vida.
Fora as vezes em que o motorista fazia campanha para certo presidenciável, ou atacava de DJ gospel (ou, pior, sertanejo universitário), em geral, minhas viagens sempre foram tranquilas. Hoje em dia, raramente os motoristas puxam conversa, e se o fazem, em geral é sobre o calor de quase 30 graus a essa hora da manhã, ou sobre como o trânsito até as 08:30 estava péssimo, mas nesse agora já está tranquilo. Porém, quando o serviço começou a funcionar aqui em Londrina, me lembro de bater altos papos durante o trajeto.
Cansei de ouvir histórias de pessoas que tinham dois empregos, que estavam temporariamente trabalhando como motorista porque não conseguiam nada na sua área e precisavam pagar seus boletos; aposentados fazendo um extra; um estudante de mestrado que estava planejando tirar a cidadania italiana e ir embora do país. Uma vez viajei com um senhorzinho colombiano, que me contou estar vivendo aqui com a esposa e a filha, que veio para estudar na cidade. Ele até colocou Shakira pra tocar quando falei que estudava espanhol. Já dei gorjeta pra motorista que chegava ao som de um hard rockzinho; e já fiz viagens repetidas com o mesmo motorista, como é o caso do Wilton.
Wilton Mitsuo Miwa foi um dos primeiros motoristas que me atendeu. Não esqueço pois, pouco tempo depois, acabei fazendo outra viagem com ele, que me reconheceu, e me contou na época que também era fotógrafo e produtor cultural. Encontrei Wilton na rua do meu trabalho tempos depois (dessa vez eu estava no ponto de ônibus, hard times), e qual foi minha surpresa quando novamente ele me reconheceu e me disse agora que estava trabalhando num livro de crônicas sobre as suas viagens como motorista de aplicativo?!
O autor me enviou o link do seu projeto e fiquei muito curiosa para conhecer o recheio desse livro onde, como descreve sua sinopse, “seu carro é um verdadeiro laboratório sobre quatro rodas. Nele, circulam passageiros de todas as tribos, independente de classe social e o motorista faz, por vezes, o papel de padre, psicólogo, confidente… Essa grande aventura e um rico aprendizado resultaram num adorável livro de leitura dinâmica e divertida, mas com um leve toque de poesia”.
Memórias de um Motorista de Aplicativo está no Catarse, e pode ser apoiado, a partir de R$ 20,00, até 26/11/2019. Além do livro, os apoiadores também podem optar por recompensas de outros valores, e receberão, junto do exemplar, fotos tiradas e selecionadas pelo próprio Wilton.
Você pode conhecer mais sobre o livro e sobre como o Wilton utilizou o trabalho de motorista como um laboratório para produzir suas crônicas neste vídeo:
Diante da notícia de que a Uber vai trazer para o Brasil o serviço Comfort, em que o passageiro tem a opção de viajar sem conversar com o motorista, pensei no projeto do Wilton. Dividir o veículo e as histórias entre motorista e passageiro sempre me soou normal, ou quase natural. Mas, agora, ficamos sentados no banco de trás e com os olhos no nosso mundinho da tela do telefone. Só conversamos com os dedos, em emojis e likes. E perdemos experiências.
Perdemos aquela notícia sobre o time da cidade, que está na zona de rebaixamento da série B. Perdemos o relato daquele acidente que aconteceu ali na rua de trás e por isso o trânsito está parado. Perdemos o aviso da umidade relativa do ar (sempre em baixa, é o aquecimento global, e o que tem de gente doente por causa do clima seco…).
Perdemos um pouco da humanidade ao não tratar quem está nos prestando um serviço como “alguém”. Perdemos a chance de conhecer histórias e crônicas que não serão escritas. Mas, talvez, apoiar projetos e colocar obras como a do Wilton no mundo sejam uma forma de resgatar a esperança e até de ganhar um pouquinho dessas experiências perdidas de volta.
Acesse o Catarse e apoie o projeto Memórias de um Motorista de Aplicativo.
Rose, clamo por mais pessoas que escrevem como você! Parece que está na hora de publicar o seu livro!
Temos planos para lançar o livro do Crônicas um dia, Wilton! Obrigada pelo comentário, estamos torcendo para que o seu projeto seja um sucesso 🙂