Canto dos contos

Por um trânsito mais gentil

Escrito por Patrícia Librenz

Os motoristas e ciclistas de Foz do Iguaçu agora têm uma cidadã de bem lutando por um trânsito mais gentil.

Um dia desses, um grupo de amigos fazia um passeio noturno de bicicleta pela Avenida Tancredo Neves, quando de repente todos foram surpreendidos por um motorista de uma hilux preta, que, propositadamente, passou “tirando fina” dos ciclistas. Todos estavam devidamente sinalizados e trafegando à direita da via, que tem pista dupla.

O motorista poderia ter ultrapassado pela faixa da esquerda ou resguardado a distância mínima de um metro e meio dos ciclistas, conforme orienta do artigo 58 do Código de Trânsito Brasileiro. Mas, ao invés de agir de forma civilizada e empática, fez questão de demonstrar toda sua ignorância a respeito das leis que regem o trânsito, além de, claro, sua arrogância e sua masculinidade frágil, que precisa ser reforçada ostentando um carro daquele tamanho. 

Ao cruzar pelos ciclistas quase os atropelando, o homem ainda baixou o vidro do carro e gritou: “Saiam da frente, vocês não pagam IPVA!”. A falta de conhecimento do motorista não condizia com o seu nível social, mas o tamanho do seu automóvel era diretamente proporcional à sua falta de conhecimento. Afinal, qualquer pessoa mais ou menos inteligente e que não tenha subornado a autoescola para ter sua carteira de habilitação sabe que o IPVA é um imposto pago para se ter direito à propriedade de um veículo automotor, e não tem nada a ver com o direito de se circular na via. 

Este senhor imediatamente virou meme no grupo de ciclistas. Todos riam e faziam piada da sua falta conhecimento sobre as leis. Menos Rúbia. Ela pedalou até sua casa sem esboçar um sorriso e, ao abrir a porta, anotou com pressa em um pedaço de papel algumas letras e números: era a placa da Hilux. Depois de algumas noites circulando de carro pelo mesmo local, lá estava o motorista da Hilux preta novamente. Ela o seguiu para descobrir onde ele morava; depois, observou a rotina do homem por três dias (foi quando começou a perceber que ele gostava de fazer terrorismo no trânsito, com ciclistas, motociclistas e motoristas mulheres). 

No dia denominado por ela como “dia D”, Rúbia seguiu o homem. Após a primeira “gracinha”, ela começou a caçada. Primeiro, tentou não ser percebida, até o homem entrar naquela rua mais deserta no caminho para casa. Foi lá que ela iniciou um jogo psicológico: acelerou e colou na sua traseira, buzinou, deu luz alta, até que o sujeito, furioso, parou o veículo e veio na direção do seu, aos berros. Ele estava nervoso e, assim que ele se aproximou do carro, ela acelerou, atropelando-o. 

O seu tronco caiu sobre o capô do veículo, por onde escorregou até chegar ao chão. Rúbia engatou a ré, tomou uma distância de aproximadamente cinco metros e avançou sobre ele, até sentir um solavanco. Ela gostou de sentir o solavanco, então deu a ré para recuar e avançar sobre o corpo, já ensanguentado, mais algumas vezes, até ter certeza de que sua cabeça estava totalmente esmagada.

Chegando em casa, ela limpou o carro. No dia seguinte, os jornais “pinga-sague” de Foz do Iguaçu noticiavam aquela morte horrível. Rúbia levou o veículo até uma oficina no Paraguai para tirar os amassados do capô. Vendeu o carro e decidiu comprar algo mais robusto: uma Hilux, com um enorme para-choque metálico. 

Rubia não escolhe suas vítimas, ela é democrática. Não faz distinção de gênero, raça ou classe social. E não é muito difícil aumentar sua lista, já que ela sabe por onde os ciclistas circulam e pelo que eles passam… assim, bastam alguns minutos para dar o primeiro flagrante. Depois, todos são perseguidos, como presas, até a morte. Até agora, foram 47 vítimas e nenhuma morte foi desvendada, já que, aparentemente, não há nenhuma ligação entre elas. 

Ao ser convidada pelos amigos para voltar a pedalar, Rúbia justifica sua negativa dizendo que “É muito perigoso! As pessoas andam muito agressivas no trânsito!”.

Assim, ao invés de passear de bicicleta com os amigos, Rúbia prefere seguir fazendo sua faxina noturna rotineira, a fim de contribuir para um trânsito mais gentil e seguro. Afinal, ela é uma cidadã de bem, totalmente contra a violência no trânsito. Tudo o que faz é pelo bem da sociedade.

Sobre o autor

Patrícia Librenz

Mãe de dois gatos, um autista e outro que pensa que é cachorro. Casou com um veterinário, na esperança de um dia terem uns 837 animais. Gaúcha no sotaque, pero no mucho nos costumes. Radicada em Foz do Iguaçu desde 2008, já fez mais de 30 mudanças na vida. Revisora de textos compulsiva, apaixonada por dicionários. A louca do vermelho. A chata que não gosta de cerveja. A esquisita que não assiste a séries. Dona da gargalhada mais escandalosa do Sul do Mundo. Mestra em Literatura Comparada, é fã de Machado e Borges, mas ignorante de Clarice Lispector e intolerante a Paulo Coelho. Não necessariamente nessa ordem.

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