Relatório de Evidências

Primeira volta

Uma caminhada no parque pode ser mais que uma simples atividade física. Pode ser a oportunidade de observar as pequenas coisas do cotidiano.

Ainda é dia e os trailers da Avenida 3 já começam a abrir suas janelas. Sobre a grama, as crianças de blusinhas coloridas chegam com bolas e vontade de brincar.

E ainda é dia.

A mulher trouxe as duas filhas, de 11 e 3 anos, acho, para ajudar a montar o pula-pula. Debaixo da grande árvore central, o jovem professor finca bandeirinhas no chão. A aula será puxada!

Na pista, o marido desiste de segurar o cachorro de porte médio pela coleira, solta o animal e vê, já tarde demais, o seu grande erro: o cão corre atrás de uma cachorrinha, de outro casal. Foram precisos oito braços para separar.

Pelo caminho, um dos enfeites do Natal, uma estrela dourada de um metro de braço, jaz em um canto esperando reparo.

Na academia ao ar livre, a moça com Down se esmera em ajeitar o longo rabo-de-cavalo preso em uma xuxinha rosa. O cabelo atrapalhava o exercício.

Ao longo da encosta, quadrados de papelão esperam por bundinhas infantis para cumprir sua função: dar alegria e vento no rosto da meninada. O mesmo vento (este traidor!) que acusou o produto queimado a poucos metros no cigarro dos dois adolescentes desavisados.

Na última curva, enfim, os casais conseguem separar os dois cães e o trailer de pastéis começa a fritar os primeiros salgados.

Ainda é dia e estou só na primeira volta…

Sobre o autor

Murilo Alves Pereira

Jornalista científico de formação, observador do cotidiano por vocação, acredita que as histórias acontecem o tempo todo e só esperam ser contadas. Gosta de imaginar um mundo mais literal, onde, por exemplo, Lady Insônia, com sua rouca voz de fumante, não o deixa dormir. E, enquanto não dorme, cria contos tendo como inspirações uma loira e um gato com os quais divide um barraco. Viajante, apreciador de cervejas, divulgador de ciência e colecionador de águas, tem amor por madeiras, plantas e mapas e uma implicância especial pelo uso incorreto de “literalmente”.

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