Lista de sonhos
- Patins coloridos.
- Fita do Donkey Kong
- Brincar com o Otávio nas férias.
- Ganhar flores.
Jorge descobriu aquela pequena lista, em papel amarelo, que também era a cor favorita da filha, entre documentos importantes, guardados em uma caixa com uma tarja preta e espessa, que dizia: COISAS VALIOSAS. Boa parte das lembrancinhas feitas em datas especiais, como o Dia dos Pais e a Páscoa estavam ali. Encontrou todas as fotos 3×4 em ordem cronológica, assinadas, com diferentes letras, pela mesma pessoa.
Ela, tão jovem, tão bonita, tão inteligente, tão promissora, tão teimosa, tão sua filha, tão humana, Anira.
Ser pai quando se perde um filho não é tarefa fácil. Além do sofrimento de perder aquele elo que mantinha parte de sua dignidade em pé, há o peso das lágrimas da mãe, que tem laços, aparentemente, mais profundos e sentimentais com o ser gerado. E nessa loucura toda de sofrer e de amar, ele ainda tem que assinar papéis, se preocupar com funeral, fazer a coisa toda certa.
Por vezes, na capela funerária, sentiu vontade de mandar todo mundo à merda, ligar a TV no brasileirão e fingir que ainda tinha 25 anos e toda a vida pela frente. Que não era casado com uma mulher tão forte e independente e que não tinha criado uma menina-mulher tão querida que lotou aquele lugar pequeno o dia todo. Ele queria gritar, fechar o caixão e dizer: o espetáculo acabou, deixem a atriz descansar, ela tem que ir pra faculdade amanhã. E também tem que viajar pelo leste europeu, fazer três tatuagens, conhecer a Aurora Boreal, ser feliz…
Mas não podia. Até era homem corajoso o suficiente para isso, mas não estava em posição de escolher. Sua mulher e o filho mais velho estavam em prantos, cada um de um lado da caixa apertada onde a colocaram com seu vestido favorito. Ela estava ali deitada, com ar descansado, uns arranhões pelo rosto, os olhos fechados com durex, pois curiosos que eram, ficariam abertos pela eternidade.
Ele quis abraçá-la, ouvir sua risada gostosa, fazer cosquinha em seus joelhos, permitir aquela viagem – que sabia que terminaria em sacanagem – que havia proibido. Mas era tarde demais.
Entrou na capela, deu três passos, respirou fundo e ofereceu o seu melhor: um buquê de tulipas amarelas.