Desvendando a Galeria Nacional da Irlanda, Inês se deparou com a obra “A captura de Cristo”, de Caravaggio, que retrata o episódio bíblico conhecido como “Beijo de Judas”.
Impactada com a beleza daquela pintura, Inês decidiu sentar-se e apreciar os mínimos detalhes daquela tela pintada em 1602, mas que parecia ser um inquietante convite do próprio Caravaggio para uma reflexão sobre sua existência – em especial de seu último ano, quando semelhava ter aprendido a ver a vida através da literatura sentimental.
Assim, absorta em definições psicológicas, sociais, morais e até mesmo estéticas para tentar definir a palavra traição, Inês percebeu que conceituar era em vão. Que aquelas mil vozes que falavam em sua cabeça como que em uma longa sessão de tortura não fariam com que ela chegasse a uma óbvia ou confortável conclusão.
Então, Inês decidiu silenciar sua mente e seu coração e, tal qual o revolucionário pintor italiano, consagrar sua primeira obra de arte com tema cotidiano. Emergiu vigorosamente de um fundo raso, obscuro, totalmente negro, agrupando a cena em primeiro plano com foco intenso de luz sobre os detalhes para, assim, surgindo em um autorretrato, encontrar a realidade palpável e concreta da representação daquilo que considera a maior das traições: trair a si mesma, sendo por vezes o Cristo e o Judas da sua história.
¨Mentir pra si mesmo é sempre a pior mentira…¨ (Legião Urbana)