Crônico Repórter

Cabeça de burro

Escrito por Patrícia Librenz

Você conhece algum lugar no qual nenhum empreendimento costuma ir pra frente? De acordo com um folclore popular, onde “tem cabeça de burro enterrada”, nada dá certo!

Vocês já devem ter visto algum caso assim: o ponto comercial é bom, fica em um bairro bacana; nas proximidades, há vários estabelecimentos que prosperaram. Quase sempre, o produto/serviço oferecido é de qualidade, o atendimento também não é ruim… mas, por algum motivo sem explicação, o lugar vive vazio, o negócio não vai pra frente e, curiosamente, tudo que abre naquele ponto acaba fracassando.

Tem lugares que fecham porque são ruins; outros, porque são mal administrados… mas, em certos casos, não há lógica – e, segundo meu falecido avô, quando acontece repetidas vezes, é porque tem cabeça de burro enterrada naquele terreno. Apesar de ser uma crença bastante folclórica, hoje, quando vejo vários estabelecimentos comerciais abrindo e fechando em determinados pontos da cidade, nos quais nada dá certo, acabo repassando essa sabedoria popular adiante.

Não raro, preciso explicar às pessoas o que essa expressão significa. Então, fui atrás de saber a sua origem. Na minha pesquisa, encontrei algumas incongruências (internet, né…). Então, fiz um esforço científico para tentar trazer ao menos a informação biológica e genética correta: de acordo com a consultoria veterinária vip que recebi, descobri que o burro (ou mula, se for fêmea) surge do cruzamento entre uma égua (família dos equinos) e um jumento (família dos asininos) – ou asno. Portanto, o burro é um animal híbrido, não sendo nem cavalo nem jumento.

Como são indivíduos resultantes do cruzamento entre espécies com número de cromossomos diferentes, burros e mulas tendem a nascer estéreis, por isso que, entre os criadores de cavalos, esse era um animal indesejado, por não ter valor comercial. Então, para não desgastar a égua, que passaria meses amamentando um filhote “sem valor”, nem gastar com a alimentação do burrinho, costumava-se sacrificar esses filhotes (que dó, gente!) e enterrá-los longe das residências. Como a gestação da égua pode chegar a um ano e só é possível descobrir a espécie do animal no momento do nascimento, isso era recebido como um sinal de azar pelos criadores. Assim, acreditava-se que esses cemitérios transformavam-se em terrenos “amaldiçoados”, que atraíam maus presságios.

Por esse motivo, quando um local parece trazer azar para os negócios, pois nada que começa nele vai pra frente (não “gera frutos”, assim como os filhos da égua com o jumento), diz-se que ali “tem cabeça de burro enterrada”. Eu conheço vários pontos comerciais assim em Foz do Iguaçu – até fiquei triste quando vi que abriu uma franquia legal em um lugar desses. Se isso é lenda urbana, folclore popular ou se realmente tem algum cabimento, só tem um jeito de saber: enterrando um burro em um terreno e observar.

Se eu pudesse, faria isso onde funciona o lava-a-jato vizinho à minha residência. Ali, a barulheira, que não é pouca, começa logo cedo, inclusive aos sábados – e alguns feriados. Ouvir música ruim, conversa fiada, barulho de aspirador de pó e lavadora de pressão, das 8h às 18h, é bastante exaustivo e estressante, especialmente nos meus dias de descanso. Se eu conseguisse o burro para enterrar e, depois disso, o movimento do lugar despencasse (até o empreendimento fechar), teria a prova científica de que preciso. Não que eu queira amaldiçoar o estabelecimento ou agourar o negócio alheio, é só uma curiosidade científica mesmo.

E você, conhece algum lugar com cabeça de burro enterrada? Caso nunca tenha ouvido essa expressão (ou a conhecia, mas não sabia da sua origem), compartilhe esta pérola da cultura inútil com seus amigos!

*Em alguns sites e blogs, consta a informação equivocada de que a expressão original seria “cabeça de jumento” e que, portanto, esse animal seria o filho estéril (e indesejado) da égua com o burro. Contudo, trata-se de uma confusão, pois jumentos não são estéreis. Inclusive, existem criações de jumentos no Nordeste do Brasil. O burro, sim, via de regra, é estéril. Portanto, é extremamente improvável que um burro tenha um filho com uma égua e, se o tivesse, não seria um jumento – seria outra coisa. Após encontrar a informação correta, eu ainda a confirmei com duas veterinárias. Saiba mais…

Sobre o autor

Patrícia Librenz

Mãe de dois gatos, um autista e outro que pensa que é cachorro. Casou com um veterinário, na esperança de um dia terem uns 837 animais. Gaúcha no sotaque, pero no mucho nos costumes. Radicada em Foz do Iguaçu desde 2008, já fez mais de 30 mudanças na vida. Revisora de textos compulsiva, apaixonada por dicionários. A louca do vermelho. A chata que não gosta de cerveja. A esquisita que não assiste a séries. Dona da gargalhada mais escandalosa do Sul do Mundo. Mestra em Literatura Comparada, é fã de Machado e Borges, mas ignorante de Clarice Lispector e intolerante a Paulo Coelho. Não necessariamente nessa ordem.

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