Canto dos contos

No Templo do Rinocerontomem – Parte 1

Escrito por Guilherme Alves

Nessa história em três partes, um explorador ruma à África em busca de um templo lendário. E toma uma decisão que mudará sua vida para sempre.

Mal podia acreditar. Após anos de buscas infrutíferas, lá estava eu, no meio da savana africana, de frente para o que poderia ser a maior descoberta da minha vida: a entrada para o Templo do Rinocerontomem.

Foi durante a Grande Guerra que eu ouvi a lenda pela primeira vez. Colegas que haviam morado nas Colônias as escutaram dos nativos, e as transmitiram em meio às trincheiras. Um templo secreto, repleto de tesouros inimagináveis, guardado por uma criatura mística. Vindo de uma família de exploradores, claro que as lendas atiçaram minha vontade, e fiz um juramento de que, assim que a Guerra terminasse, encontrar tal templo seria minha prioridade.

Meus colegas riam, diziam que eram histórias inventadas por selvagens para pôr medo nas crianças e enganar os forasteiros, mas minha intuição de explorador me dava a certeza de que o templo existia, e minha determinação a de que seria eu a encontrá-lo e clamar seus tesouros. Quem está rindo agora?

Por muitos anos, porém, confesso que duvidei de que seria possível. Para começar, foi extremamente difícil encontrar nativos dispostos a me acompanhar em minha empreitada. Lenda ou não, todos pareciam aterrorizados à simples menção do templo, e, além de tentarem me convencer a esquecer o assunto, ainda praguejavam contra aqueles que teriam revelado sua existência. Somente a muito custo consegui reunir um pequeno grupo, que parecia não saber muito bem para onde ia – ou queria me afastar propositalmente de meu objetivo.

Levei mais de dez anos, mas hoje, no primeiro dia do ano de 1930, me encontro em frente às enigmáticas portas daquilo que tenho certeza de se tratar de tal templo. E um dos motivos foi que os poucos nativos que me acompanhavam fugiram aterrorizados, gritando palavras incompreensíveis, diante de sua simples visão. Provavelmente não acreditavam que a lenda pudesse ser verdadeira, e, selvagens incultos que são, deixaram suas emoções primitivas dominá-los.

Mas eu, um homem civilizado, de boa família, sei que, mesmo o templo não sendo uma lenda, a parte da criatura mística é. Criatura mística, oras, somente mesmo os selvagens para acreditar num troço desses. Armadilhas, perfeito, serpentes e outros bichos peçonhentos, acredito, mas criatura mística é um pouco demais. Explorador que sou, me sinto perfeitamente capaz de adentrar esse templo, pegar algo de seu tesouro, e retornar mais tarde com uma equipe completa.

Sim, porque, agora que estou tão perto, não vou arriscar retornar ao acampamento e ver outro clamar minha descoberta. Mesmo sozinho, prefiro forçar as portas, ver o que encontro, e somente aí retornar. Até porque vai que esse não é o Templo do Rinocerontomem, mas um outro templo qualquer de menor valor, aí não precisarei de uma equipe completa testemunhando meu equívoco.

Pegando um pé de cabra de meu equipamento, me pus a forçar a porta. Com um rangido que atestava não ser aberta talvez há séculos, ela cedeu um pouco, deixando entrar o sol do meio-dia. Paredes que há tempos não viam luz se iluminaram. Adentrei o templo, observando as fabulosas gravuras que enfeitavam seu hall de entrada. O Rinocerontomem, a quem ele era dedicado, era onipresente nas ilustrações: uma criatura que, como seu nome atesta, era uma mistura de humano e rinoceronte, caminhando sobre duas pernas, pés ungulados, mãos com cinco dedos e polegares opostos, cabeça como a do animal, incluindo o característico chifre no nariz.

Na história protagonizada por ele, atuava como uma espécie de protetor de uma tribo, que parecia viver em prosperidade ao lado de um caudaloso rio. Mais para o fim da história, ordenava a construção de um templo, provavelmente este mesmo cujo interior agora vasculho, quando então… talvez jamais saberei, pois as últimas gravuras estavam muito danificadas, como se… não, loucura. Estava prestes a dizer como se despedaçadas por um chifre enorme.

Afastando tal pensamento absurdo de minha mente, segui em frente.

Continua na semana que vem

Sobre o autor

Guilherme Alves

Nascido numa tarde quente de verão no Rio de Janeiro, casado aparentemente desde sempre, apaixonado por idiomas (se pudesse, aprenderia todos). Professor de inglês porque era a única profissão que parecia fazer sentido, blogueiro porque gosta de escrever desde que a Tia Teteca mandava fazer redação. Coleciona DVDs, tem uma pilha de livros que comprou mas ainda não leu maior que uma pessoa (de baixa estatura) e um monte de jogos de tabuleiro que não tem tempo de jogar. Fanático por esportes, mas só para assistir, porque é um pereba em todos eles. Não se pode ter tudo na vida.

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