Chovia.
Dentro do carro, o barulho do limpador de para-brisa percussionava a música que saía dos alto-falantes.
Fitei o malabarista no sinal por um instante. Peguei-me pensando se, após este turno de apresentações debaixo d’água, ele teria um chuveiro quente e um cobertor para se aquecer.
O sinal abriu.
Engatei a primeira e arranquei, mecanicamente. Mas meu pensamento ficou. Como as bolas que o artista de rua tentava equilibrar, eu buscava ordenar as ideias.
Pensei em todas as pessoas, os invisíveis, que pedem, mendigam, esmolam, vendem doces ou apenas imploram pela nossa compaixão frente à pobreza que se prolifera em progressão geométrica.
Pensei nos 386 mil brasileiros que não podem mais pensar em nada, pois já partiram para outro plano. E na dor das famílias que, devastadas e despedaçadas, ficaram.
Pensei na parede descascada do meu quarto, no piso quebrado da cozinha, nos lençóis manchados, nos tapetes roídos pelo cachorro, no buraco da cortina, no azulejo solto no banheiro, nas minhas reclamações diárias por coisas tão pequenas.
Pensei em todos aqueles que sofrem de fome, de frio e de dor, que não se frustram por não realizar seus sonhos, pois nunca ousaram sonhar.
A essa altura, as lágrimas que brotavam em meus olhos já se misturavam à chuva fina no vidro do carro, e essa água toda turvava minha visão.
Quando menos percebi, o portão do meu prédio se abriu, e eu estava chegando ao meu refúgio, onde tantas vezes chorei minhas derrotas. E pensei em todas as pessoas que nem contam mais as suas perdas, porque sequer sabem o que é ganhar.
Lembrei novamente do malabarista. Chorei, pensei e chorei mais. Chorei pela minha impotência, pensei na minha insignificância neste mundo, e chorei pela dor de saber que somos todos perecíveis – porém, uns mais que os outros.
