Sem meias palavras

Pelo meu direito de falar palavrão

Escrito por Mayara Godoy

Ser mulher é difícil. Mais difícil ainda é não poder falar palavrão!

Eu comecei a escrever esse texto refletindo sobre todas as mazelas de ser mulher. No início, eu ia intitulá-lo de “Ser mulher dói”. Porque dói mesmo, sabe? Dói fisicamente e dói muito mais psicologicamente, todos os dias.

Fazer depilação dói. Fazer as unhas e ter sua cutícula cortada dói. Tirar a sobrancelha com linha, peloamordetodososdeuses, como dói! E pensar no porquê nos submetemos a uma infinidade de procedimentos estéticos dolorosos apenas por vaidade, dói mais ainda.

A gente começa querendo eliminar umas estrias, vai refletindo sobre a vida e, quando vê, já está querendo derrubar o patriarcado.

Aliás, tá aí outra coisa que dói: viver numa sociedade machista em que muitas vezes seu papel é reduzido ao de esposa e mãe. E quando a mulher decide ser mãe, dói. Fisicamente e emocionalmente. Quando decide que não, dói também, porque todo mundo julga e questiona o tempo inteiro. Dói viver em relacionamentos abusivos e dói, muitas vezes, ser agredida ou morta pelo seu companheiro só porque você é mulher.

É tanta dor que nenhum analgésico dá jeito. Mas, mesmo assim, a gente segue em frente. A gente sai da depilação e corre pro trabalho para dar conta de matar mais um leão por dia (e ainda desviando das antas). E, por essa rotina frenética e quase sempre sacrificante, muitas vezes vem aquela romantização clichê da mulher guerreira.

Cara, nós não somos guerreiras porque isso é lindo. Nós somos assim porque somos obrigadas. Porque a nossa carga é sempre maior, não importa o que você diga. E não importa que os homens façam a maior parte dos serviços braçais pesados. Pra gente sempre vai ser mais difícil. E isso não é mimimi de feminista, não. É apenas a verdade, nua e crua.

Mesmo assim, tem muita mulher que cuida de tudo e mais um pouco sem reclamar. Deve estar no nosso DNA saber que vai ser puxado mesmo, mas que a gente dá conta. E a gente dá mesmo.

Agora, posso falar o que me deixa injuriada mesmo? Não é ter que estar sempre com a depilação, o cabelo e as unhas em dia. E nem é também ser julgada pelas minhas habilidades domésticas (ou a falta delas). Muito menos ter que trabalhar e pagar boletos. Isso tudo aí eu tiro de letra.

Sabe o que me tira do sério MESMO? É não poder falar palavrão. Repararam que até agora não escrevi nenhum? Pois é. Vocês imaginem o quanto eu tive que me segurar até aqui procurando sinônimos para coisas que eu só sei expressar usando um bom palavrão.

É da minha personalidade ser boca suja. Eu sempre fui, e acho que é mais forte do que eu. Mas, entre todas as privações que eu passo na vida, os momentos em que eu não posso falar palavrão são uma das piores. Primeiro porque em alguns ambientes não pega bem – embora eu ache que passou da hora de a gente legalizar o moletom na rua e o palavrão. Mas, principalmente, porque mulher que se impõe e fala palavrão é sempre mal vista. Já repararam? É sempre esperado de nós uma feminilidade angelical, aquela doçura e delicadeza das boas moças de família. Qualquer uma que ouse se expressar de maneira mais enfática já é tida como vulgar, como indecente, como grossa ou como louca. Às vezes, tudo isso junto.

Agora, me diz: a gente tem que aturar tudo isso e ainda ser meiguinha? Estar sempre sorridente? Porque decerto ter firmeza e autoconfiança só pode ser atributo masculino, né? Francamente.

Olha, eu vou falar: não é fácil ser mulher, viu? Principalmente quando você tem que dar um monte de voltas assim, tentando ser bem didática, sendo que no fundo só quer mesmo é mandar todo mundo tomar no cu. Deixa eu falar meu palavrão, porra!

Sobre o autor

Mayara Godoy

Palestrante de boteco. Internauta estressada. Blogueira frustrada. Sarcástica compulsiva. Corintiana (maloqueira) sofredora. Capricorniana com ascendente em Murphy. Síndrome de Professor Pasquale. Paciente como o Seo Saraiva. Estudiosa de cultura inútil. Internet junkie. Uma lady, só que não. Boca-suja incorrigível. Colunista de opiniões aleatórias. Especialista em nada com coisa nenhuma.