Pensamentos crônicos

Tempo

Que jardineiro nunca sonhou com um adubo mágico que fizesse suas plantas crescerem em um piscar de olhos? Alcebíades descobriu o remédio perfeito.

Alcebíades olha uma vez mais, com ar de consternação, as plantas do quintal que acabara de regar. O jovem ipê pendia para a direita, vencendo com dificuldade, e pouca firmeza de seu fino fuste, a força da gravidade e o peso das parcas folhas; a jabuticabeira, melancólica, não dava ares que forneceria frutas aquele ano.

Frustrado, Alcebíades fecha as portas do fundo de casa e desce as escadas até o porão onde mantém, segredo dele, um pequeno laboratório para estas pesquisas que não saem nos jornais. Biólogo evolucionista reconhecido, físico teórico premiado e jardineiro inexperiente, Alcebíades desenvolvera um super adubo à base de tempo. Sim, é isso: tempo. Bastava dissolver uma quantidade controlada daquele pó branco em uma quantia específica de água, borrifar o produto sobre as plantas e o tempo passaria instantaneamente, fazendo o broto virar árvore num piscar de olhos. Não seria preciso esperar o relógio, este do mundo real, girar seu girar demorado.

O problema é que o Alcebíades não calculara bem as medidas. Naquela mesma manhã, irrigou todo o quintal com uma boa porção de seu adubo mágico. E aí, o tempo virou. A grama foi a primeira a se aproveitar daquele fertilizante temporal, cresceu virando mato, trazendo ervas daninhas e sufocando as poucas árvores do local. Nem deu tempo de Alcebíades lamentar, e brotos surgiram deste matagal, árvores pioneiras que atraíram insetos, aves e pequenos roedores. Outras espécies vegetais seguiram a sucessão das plantas primárias, e o quintal, em menos de um segundo, já virara uma floresta tropical densa e úmida. Os muros tinham sido derrubados, assim como toda a casa, que não suportara o movimentar de raízes em suas estruturas. Tudo em um piscar de olhos.

E ele piscou os olhos novamente. Quando abriu, tudo estava como antes. Aquele sol cozinhando as poucas árvores de seu pequeno quintal. O gramado ainda amarelado, a horta com alfaces e repolhos deprimentes. Suspiro. Alcebíades fechou a porta e, ali na sua cachola, pensou em um adubo mágico que fizesse suas árvores crescerem.

Sobre o autor

Murilo Alves Pereira

Jornalista científico de formação, observador do cotidiano por vocação, acredita que as histórias acontecem o tempo todo e só esperam ser contadas. Gosta de imaginar um mundo mais literal, onde, por exemplo, Lady Insônia, com sua rouca voz de fumante, não o deixa dormir. E, enquanto não dorme, cria contos tendo como inspirações uma loira e um gato com os quais divide um barraco. Viajante, apreciador de cervejas, divulgador de ciência e colecionador de águas, tem amor por madeiras, plantas e mapas e uma implicância especial pelo uso incorreto de “literalmente”.

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