Aquela era uma noite agitada na guarita do seu Sebastião. O filho de um dos moradores do condomínio estava completando 21 anos e estava dando uma festa de arromba para comemorar.
Carros caríssimos enfileiravam-se ante a cancela para fazer o cadastro na portaria – sabem como são esses condomínios.
Seu Sebastião fazia seu trabalho com perfeição. Conferia as placas de todos os carros e os RGs de todos os visitantes. Mas alguns carros nem placas tinham ainda. Podia-se sentir o “cheiro de novo” de longe.
Um Porsche. Uma Mercedes. Uma Ferrari. Um Jaguar. “Trinta e sete carros”, contou mentalmente.
Seu Sebastião não demonstrava seu encantamento, mas ficava admirado. “Um desses eu só tinha visto nos filmes”, pensava. Porém, seu semblante era impávido. Profissional, indicava o caminho para os jovens, sedentos por diversão, e desejava uma boa festa.
O turno do seu Sebastião terminava à meia-noite, mas ele fazia questão de ficar uns minutos a mais para ter certeza de que o vigilante que iria rendê-lo havia entendido direitinho seu relatório de ocorrências da noite e que a passagem de serviço seria feita sem ruídos.
Caminhou sete quadras até o ponto de ônibus – bairros nobres têm poucos pontos de ônibus -, e chegou exatamente em tempo de apanhar o madrugadão.
Foram mais 40 minutos até em casa, tempo que ele aproveitou relendo a cartinha da neta de cinco anos, que estava iniciando sua alfabetização. Ele guardava aquela cartinha como um tesouro e carregava sempre na carteira.
Chegou em casa, todos já dormiam. Acendeu a luz. Na cozinha, sua esposa havia deixado um bolo para ele. Era um bolo simples, de fubá, sem cobertura – porque o médico mandou que ele maneirasse, por causa do diabetes. Ao lado, um bilhete. “Feliz aniversário, Tião. Com amor, Dete.”