Canto dos contos

Um outro conto de Natal

Escrito por Breno Amaro

Seu Roberto não gostava do Natal. E um vislumbre de seu passado, presente e futuro explicou por quê.

O Seu Roberto tinha uma relação diferente com o Natal.

No auge dos seus 60 anos, ele falava que não gostava do Natal, de se encontrar com a família, de gastar com presentes e de se arrumar todo p’ruma noite que deveria ser como outra qualquer.

Ficava o tempo todo emburrado no canto, olhando pros parentes se divertindo, no máximo dava boa noite pra quem chegava em sua casa, dizia onde podiam deixar os presentes e voltava pro seu canto e sua cerveja no copo do seu time do coração.

Até a noite de Natal de 2019.

Naquela noite, Seu Roberto fez o que faz todo ano. Colocou uma camisa branca com detalhes em vermelho que ganhou de sua esposa no Natal de 1997 (que ele jura que parece nova), sua bermuda preta (que ele jura que quase não suja) e seu chinelo mais limpo (que ele jura que lavou), para encontrar seus filhos, primos, tios e sobrinhos (que ele só encontra uma vez por ano).

Mas, ao sair do seu quarto, o chinelo estava molhado e seu Roberto escorregou, caindo para trás com a nuca indo pro chão, os pés pro indo alto e bacia indo pro espaço.

Mas não aconteceu nada. Foi só um susto. Com a ajuda de três seres espirituais, com aparência muito pálida e meio translúcidos, ele se levantou e…

_ Epa! Quem são vocês?

_ Nós soooomoooos os fantaaaasmas dos Nataaaais passaaaado, preseeeente e futuuuuurooooo.

_ Eita! Que nem o conto do Charles Dickens?

_ Viu, Passado? Eu falei que todo mundo já conhece essa história. Não é mais novidade pra ninguém.

_ Tá, Presente. Isso não importa agora. O que importa é o Seu Roberto entender a importância do Natal. Futuro, solta a projeção astral aí, que a gente ainda tem mais 3 bilhões de ranzinzas pra visitar hoje.

Uma grande tela aparece na frente dos quatro e o seu Roberto já corre pra fazer uma pipoca e abrir uma cerveja.

_ Primeiro, vamos para o seu passado. Você lembra desse Natal, seu Roberto?

A grande tela começa a mostrar cenas de um Natal antigo, de 1963, pra ser mais exato, quando o seu Roberto ainda era o Betinho e brincava com seu caminhão-baú de madeira, feito artesanalmente pelo seu avô marceneiro.

_ Viu como você gostava de Natal, seu Roberto? Você era feliz.

Nisso, seu Roberto pega o controle remoto da mão do Passado e aperta “FF”.

Na tela, aparece uma imagem dos seus primos mais velhos roubando seu caminhão e quebrando para fazer uma fogueira e ficar contando histórias de terror sobre fantasmas. Seu Roberto olha pros três e:

_ Irônico, né?

Em seguida, o Presente pega o controle de volta e pula para aquele mesmo dia, onde todos os familiares de seu Roberto estavam no quintal, comendo, bebendo, cantando, contando piadas e se divertindo. E toda hora alguém gritava:

_ AAAAOOO, CADÊ O BETÃO, AQUELE LAZARENTO??? HAHAHAHA

_ Está vendo, seu Roberto? Seus parentes não só estão felizes com esta festa na sua casa, como estão sentindo sua falta e querem compartilhar essa alegria com você.

Seu Roberto pega o controle novamente, muda o posicionamento da câmera e começa a mostrar planos fechados das conversas dos seus parentes:

_ Mas o Roberto adora ostentar, né? Olha essa casa, esse quintal, essa churrasqueira! E eu morando naquela casinha sem nada.

_ Ah, mas ninguém tem isso aqui tudo sendo honesto. Não vou falar que ele tenha sido desonesto, mas eu não colocaria minha mão no fogo, não.

_ Será? Olha, com você falando isso agora, faz sentido. Eu acho que sempre desconfiei também.

Seu Roberto só entrega o controle remoto para o Futuro, com um sorriso irônico. Passado e Presente desistem e vão pra outra sala jogar uma partida de xadrez.

O Futuro, sabendo o que estava por vir (ele é o Futuro, afinal), resolveu mudar a tática. Usar um pouco de psicologia reversa. Usar a famosa tática “ou vai por mal ou vai na força”.

_ Contemple, Roberto! Esse é o seu futuro! Isso é o que irá acontecer, se você não entender que o Natal é uma época de felicidade, de amor, de alegria e de compaixão.

A tela grande começa a mostrar imagens, enquanto seu Roberto se levanta da cadeira e começa a falar:

_ Não. Não. Não! Isso não é possível. Esse não pode ser o meu futuro. Por favor, fale que isso é mentira. Eu não posso… Eu não quero… Eu não vou conseguir viver assim! NÃO!

Num salto de desespero, seu Roberto correu para botar seu chinelo (já seco), arrumar o cabelo e ir cumprimentar todos seus parentes que estavam esperando. Com eles, seu Roberto começa a dançar, cantar, comer, beber, contar piadas e até fazer mágicas para seus sobrinhos menores.

Espantados com aquela mudança repentina, Passado e Presente perguntam pro irmão mais novo o que ele havia mostrado na tela, para que o seu Roberto tenha mudado de opinião tão radicalmente.

_ Fácil. Eu ia mostrar que se ele continuasse assim, seus parentes iam parar de vir aqui todo ano, iam parar de visitar sua casa, iam parar de comer e beber nas suas contas e iam parar de fazer o Natal todo ano no seu quintal. Mas era exatamente isso que ele queria. Então, eu resolvi mostrar um futuro levemente, digamos, alternativo.

Futuro aperta “REW” no controle e mostra novamente o que seu Roberto tinha visto.

Eram cenas do seu Roberto muito, mas muito mais velho, com mais de 100 anos, na mesma casa, no mesmo quintal, com as mesmas decorações e só não tinha os mesmo parentes, porque tinha muito mais.

Netos, bisnetos, sobrinhos-netos, primos, cunhados, neo-cunhados, primos de 4º, 5º, 6º grau, gente que bio-matematicamente era parente, mas nem tinha um nome pra isso.

E todos eles chegando ao mesmo tempo, cantando, se divertindo, contando piadas, comendo e bebendo, tentando convencer o seu Roberto que o Natal era um dia e uma noite feliz.

_ Ele tinha duas opções: aceitar logo e ensinar pros outros como fazer essa festa nas suas próprias casas com suas próprias famílias; ou esse futuro, onde ele deveria aturar essa felicidade toda por muitos e muitos anos.

Isso era demais para o seu Roberto.

Sobre o autor

Breno Amaro

Oi, eu sou o Breno. Carioca, redator, flamenguista, fã de surf, do Philadelphia Eagles e de Cavaleiros do Zodíaco. Faixa preta em Mortal Kombat e bi-campeão do World Series of Pavê 2015-16, comecei a escrever porque nunca aprendi a desenhar. Eu me fantasio de Ryu, de Ivan Drago e de Tigre no carnaval. Uma frase? “Trabalhe com o que ama e você nunca vai precisar trabalhar na vida, porque vai morrer de fome”. Escrevo sobre tudo o que passa na minha cabeça, sobre tudo que acontece na minha vida e, sobretudo, sobre nada. Meu cachorro se chama Bolinho.

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