Cerveja, Mulher e Futebol Que beleza! Sem meias palavras

A ferro e bojo

Escrito por Rose Carreiro

Experimente usar um sutiã só pelo prazer de poder tirá-lo depois. Então, entenderá a importância da liberdade no vestuário feminino e de qualquer manifestação pró #peitoslivres

Numa eleição de peças de vestuário que caracterizam instantaneamente o “ser mulher”, o sutiã (ou soutien, para os mais nostálgicos) seria hors-concours. Talvez o objeto de desejo das gavetas de 9 entre 10 meninas pré-adolescentes – também foi o meu -, o primeiro sutiã ganhou inclusive uma propaganda clássica e inesquecível. Mas, com o primeiro sutiã, também chegam outras torturas na vida de nós, mulheres. Não é hoje que vou falar do nosso sistema reprodutor, ficarei limitada às dores impostas pelos tempos em que terceiros mandam nos corpos e desejos femininos. Afinal, a sociedade até os dias de hoje parece querer ser dona dos nossos modos, do molde e da textura dos nossos corpos, do comprimento das nossas saias, dos nossos úteros, dos nossos decotes. 

Se você nunca usou um sutiã, seja qual for o seu gênero, experimente a peça por oito horas – o tempo médio de uso diário, considerando que, pelo menos para as atividades em público, somos basicamente obrigadas a vesti-lo. Retire-o ao final do dia pela pura sensação de prazer e liberdade que a abertura do fecho lhe dará. É quase mais prazeroso que achar uma cabine vazia nos toiletes do cinema depois de um filme do Tarantino servido com 500 ml de refrigerante. Um dos pequenos prazeres cotidianos, o simples ato de puxar as alças da lingerie pelas cavas da blusa representa alívio. Nada de elásticos, de aros, bojos e espumas para repreender pele, músculos, glândulas e formas naturais. 

Durante muito tempo, e creio que em grande parte pela falta de fartura na região, fui adepta dos bojos. Na verdade, considerava aquela estrutura, além de uma propaganda enganosa que me fazia parecer mais atraente, uma proteção às polêmicas saliências que insistiram em aparecer sob as roupas. O ar-condicionado sempre foi meu maior inimigo, mas com o bojo, eu estaria a salvo. E tinha os aros, as meias-taças que prometiam desenhar – e, depois de um dia inteiro, literalmente o faziam, praticamente como uma marcação a ferro – e levantar os seios.

Anos seguidos me sentindo realmente machucada pela prisão entre colchetes, cheguei àquele ponto em que toda mulher deve ter na vida adulta, com suas contas pagas, seu trabalho feito diariamente com dedicação, cultivando um pouco de amor próprio e convicções: me perguntei por que diabos eu ainda mantinha os bojos e aros na minha vida. Felizmente, os tempos conspiram para que as marcas de lingerie trabalhem também a aceitação do corpo feminino como ele é, e hoje posso até colecionar uma dúzia de sutiãs apenas com tecido, sem metais, e vários com a oferta de um mínimo de conforto. 

Ainda há muito que se libertar na questão do farol aceso, mas acredito que chegaremos ao dia em que a sociedade verá o corpo das mulheres somente como um corpo. Em que seios não precisarão ter proporção e curvatura ideais. Em que o braile dos mamilos sob uma camiseta não deixará transeuntes chocados, nem despertará o instinto mais asqueroso e assediador masculino. 

Seios são só seios. Nos seus diversos formatos, tamanhos, ângulos e particularidades, são atribuições de corpos que querem – e cujo direito lhes deveria ser dado desde sempre – liberdade e respeito, sem amarras. Ou fechos. Ou aros. Ou bojos. Ou um modo de viver em que precisem estar moldados e escondidos sob o pano grosso e hipócrita da moral e dos bons costumes. 

As mulheres já sofrem demais com todo o resto, deixem ao menos os nossos peitos livres.

Sobre o autor

Rose Carreiro

Nascida num 20 de Outubro dos anos 80. Naturalmente petropolitana, com passaporte carioca. Flamenguista pé frio e expert em não se aprofundar em regras esportivas. Fã de Verissimo – o Luis Fernando – e Nelson, o Rodrigues (apesar de tudo). Poser. Pole dancer com as melhores técnicas para ganhar hematomas. Amadora no ofício de cozinhar e fazer encenações cômicas baratas. Profissional na arte de cair nos bueiros da Lei de Murphy.

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