Sem meias palavras

Pelo meu direito à castração

Escrito por Patrícia Librenz

Por mais que a sociedade tenha evoluído, mulheres que decidem não ter filhos ainda enfrentam uma série de tabus – alguns, inclusive, legais.

Não ter filhos foi uma ideia que se apresentou cedo pra mim. Aos 22 anos, comecei a pensar sobre isso e a cogitar não me reproduzir nesta vida. Não falava sobre isso com quase ninguém, por medo de julgamentos.

Certa vez, comentei com um amigo que “uma conhecida minha havia me dito que não queria ter filhos”. A reação dele foi um misto de pena e indignação, como se as pessoas perdessem o melhor da vida assim. Me resignei e jamais revelei a identidade da minha amiga imaginária, porque era eu mesma escondida por detrás de um disfarce – tipo o que acontece no Altas Horas, com a sexóloga Laura Müller.

Tive um namorado que chegou a me falar que uma mulher que não quisesse ter filhos não servia pra ele. O namoro durou 3 meses, e fui eu quem terminei – ele não servia pra mim. Meses mais tarde, um outro ex-namorado foi a primeira pessoa que me falou que não queria ter filhos. Falou isso com aquela liberdade e naturalidade exclusivas de quem nasce privilegiado só por ser do sexo masculino, um gênero que não sofre as mesmas pressões sociais e psicológicas que uma mulher.

A partir desse relacionamento, comecei a me sentir mais livre para expor minha escolha e a escolha dos meus dois parceiros seguintes acabou tendo que passar por esse critério: um homem que quisesse ter filhos não serviria pra mim. Finalmente entendi aquilo que meu “ex-ex” buscava: um relacionamento sem conflitos muito grandes. Essa é uma decisão muito importante para se exigir que sua vontade prevaleça sobre a do outro; precisa ser um ponto pacífico entre o casal.

O que mais ouvi, ao longo da minha vida foi: “você é muito nova, ainda vai mudar de ideia”. Bem… eu já não sou mais jovem e ainda não mudei de ideia. Estou com quase 38 anos e há aproximadamente 18 meses venho pensando, lendo, me informando e cogitando a possibilidade de realizar uma laqueadura, simplesmente porque não quero continuar me entupindo de hormônios até o final da minha vida fértil (ou do pouco que resta dela). 

Mas, ao que parece, o meu corpo não pertence a mim, e sim ao Estado. E já que o Estado não quer permitir que a mulher aborte, a esterilização não deveria ser um direito dela? Atualmente, somente mulheres com no mínimo dois filhos podem realizar a laqueadura sem burocracia. E, mesmo tendo filhos, não importa a idade: é necessário ter autorização do cônjuge (alô, solteiras: é isso mesmo, vocês precisam se casar primeiro!) e passar por um acompanhamento multidisciplinar, com assistente social, psicólogo e psiquiatra. O objetivo é garantir que a pessoa esteja no “pleno gozo de suas faculdades mentais”. Traduzindo: para uma mulher ter o direito à esterilização, ela precisa provar que não é louca. 

Isso mesmo! Vivemos em um país no qual homens abandonam suas mulheres grávidas, ou constituem outra família e abandonam o filho afetiva e financeiramente; mães jogam os filhos no lixo após o parto; famílias ricas têm filhos e terceirizam sua educação… mas quem tem a coragem de remar contra a maré é que precisa provar que não é louco.

Cada vez mais jovens estão entrando em depressão, entrando em escolas armados e cometendo crimes. 

Nossa sociedade está doente e as pessoas não estão mais criando seres humanos e sim delinquentes, mas quem precisa de psicotécnico sou eu? Por que eu, que não quero colocar nenhum ser humano neste planeta, que não quero compactuar com “isso tudo que está aí”, preciso provar algo? 

Quem tem filhos que me perdoe, mas quem precisa provar a sanidade mental são vocês. Vocês é que são responsáveis pelos humanos que ficarão neste planeta. Vocês sim deveriam passar por um exame psicotécnico para saberem se têm condições psicológicas, intelectuais e financeiras para educar uma pessoinha. Não eu. Eu não quero contribuir para povoar o Planeta. Eu só quero ser dona do meu corpo e das minhas decisões.

Sobre o autor

Patrícia Librenz

Mãe de dois gatos, um autista e outro que pensa que é cachorro. Casou com um veterinário, na esperança de um dia terem uns 837 animais. Gaúcha no sotaque, pero no mucho nos costumes. Radicada em Foz do Iguaçu desde 2008, já fez mais de 30 mudanças na vida. Revisora de textos compulsiva, apaixonada por dicionários. A louca do vermelho. A chata que não gosta de cerveja. A esquisita que não assiste a séries. Dona da gargalhada mais escandalosa do Sul do Mundo. Mestra em Literatura Comparada, é fã de Machado e Borges, mas ignorante de Clarice Lispector e intolerante a Paulo Coelho. Não necessariamente nessa ordem.