O voo ia ser longo, o homem que estava sentado na poltrona ao lado não tinha cara de bons amigos. Seria um chato e/ou inconveniente? Já estava escolada em viajar sozinha e aprender a ter que lidar com todo tipo de pessoas, mas dessa vez não estava para papo.
Fez mentalmente o checklist de tudo o que iria precisar. Conferiu pela quarta vez o número da agente de viagens. Da outra vez, ela perdera o celular e passara por apuros por não ter números decorados e não queria correr o risco de ficar ilhada em terra estranha, nem por uma hora. Então, recorreu ao velho bloquinho de papel, além, é claro, da santa nuvem que paira misteriosa sobre nós e do e-mail, caixa de correio sempre à mão em qualquer lugar do mundo, desde que haja acesso à internet. Mas, quem tem paciência hoje em dia para e-mail? Mensagens instantâneas são muito mais práticas, rápidas e diretas.
Pronto. Estava conectada e com suporte profissional caso fosse necessário. O que a experiência não faz com a gente! Caleja, mas dá confiança. Na bolsa, o Kindle com o e-book “Flores para Algernon”, de Daniel Keyes. Caso precisasse de companhia, seria essa com quem iria se entreter nas próximas horas.
O avião começou a decolar, não conseguiu evitar aquele friozinho na barriga. Ficaria fora por dois meses. O que encontraria quando voltasse? As coisas estariam no mesmo pé? E se na viagem conhecesse alguém? E se ele conhecesse alguém enquanto ela estivesse viajando? Sabia que tudo estava em aberto, não havia garantias, nem cinto de segurança. Estava sempre arriscando tudo.
No momento, era meio nômade, cigana. Foi o estilo de vida que escolheu para si. Estava feliz com isso? No último ano conseguira realizar muitos projetos profissionais bacanas, estava orgulhosa e confiante. Estava ciente de que a sua independência causava certo estranhamento nos caras. Fazer o quê? Eles que aprendessem a lidar com suas inseguranças.
Fred parecia ser diferente. Só tinham se visto umas três vezes, ainda não se conheciam tão bem assim e não sabia se teriam tanto em comum para quererem passar mais tempo juntos. Estavam construindo pontos de contato.
Na primeira ponte aérea, mandou notícias e contou para ele que passou a maior parte do voo lendo hipnotizada, quase não vira o tempo passar. Caminhou um pouco para esticar as pernas. Muitas horas mais tarde, quando já havia se instalado no hotel, confirmados os compromissos para o dia seguinte, mandou mensagem ‒ não quis ligar, por causa do fuso horário, apesar de estar louca para ouvir a voz dele. Encontrou um áudio que Fred enviou antes de dormir. Entre outras coisas, disse que estava lendo o mesmo livro que ela e que estava louco para conversarem sobre Charlie. Mas quem era Charlie? Só depois de um tempo a ficha caiu, Charlie era o personagem do livro que ela começou a ler no avião. Como ele soube? Parece que realmente prestou atenção. Seria um sinal? Os dois tinham muita coisa para trocar. E como um livro puxa outro…
[…] que vivia há mais de 10 anos de fazer os outros viajarem, de planejar sonhos, de resolver perrengues (chiques, já que viajar é um luxo a que a maioria dos […]