Canto dos contos

Maneki Neko

Escrito por Guilherme Alves

Às vezes lamentamos perdas, mas nunca sabemos o que o futuro nos reserva.

Na parede da sala, acima da televisão, Gabriela tinha uma prateleira com vários bibelôs. Seu preferido, o que ela mais amava, era um maneki neko, um gatinho da sorte, trazido de sua única viagem internacional. Não ao Japão, mas ao Paraguai, para onde ela foi uma vez com uma tia que vendia muambas na 25 de Março. Ao vê-lo na vitrine da loja, patinha para cima, carinha sorridente, se apaixonou. Era seu tesouro mais estimado.

Um dia, Gabriela estava chegando em casa quando ouviu um barulho estranho. Era um gatinho, provavelmente abandonado, procurando um lugar para ficar. Gabriela achou que alguma coisa nele lembrava seu gatinho da sorte, e resolveu acolhê-lo. Bastou chamá-lo e ele veio, como se fosse dela, o que viu como um sinal. Levou-o para casa, o alimentou, cuidou dele com todo amor e carinho. Decidiu chamá-lo de Manequinho, nome que ela achava que era, também, o do gatinho da sorte.

No dia seguinte, ao sair de casa para ir ao trabalho, Gabriela deixou Manequinho sozinho. Apenas por algumas horas, que mal poderia ter? Ao retornar, porém, encontrou uma cena de terror: Manequinho havia pulado em sua prateleira de bibelôs e derrubado todos. Não ficou um para contar a história. Horrorizada, Gabriela se pôs a procurar em meio aos cacos a confirmação do que já desconfiava. Quase teve um treco ao ver os pedaços de seu gatinho da sorte, irremediavelmente quebrado.

À beira de um colapso nervoso, Gabriela fez o possível para não cometer uma loucura. Afinal, era um animalzinho inocente, e foi ela quem o havia deixado sozinho. Catou os cacos, jogou no lixo, resistiu à vontade de torcer o pescoço do gatinho, o alimentou, brincou com ele e foi dormir.

Alguns dias se passaram, e Gabriela começou a notar papéis afixados aos postes de seu bairro. Um gato desaparecido. Manequinho! Imediatamente, ela se viu tomada por um sentimento conflitante: mesmo ele tendo destruído seu mais precioso bem, ela já tinha se apegado a ele, mas, por outro lado, seu dono deveria estar sofrendo. Sendo uma pessoa correta, Gabriela fez a única coisa que poderia: ligou para o telefone no papel e foi devolver Manequinho a seu dono.

O dono original de Manequinho – que, na verdade, se chamava Bigodito – era um senhorzinho japonês. Ao receber seu gatinho de volta, fez questão de que Gabriela recebesse uma recompensa, a qual ela, por realmente achar que não tinha feito nada de mais, educadamente recusou. O senhorzinho não aceitou de forma alguma que Gabriela saísse de sua casa de mãos abanando, e decidiu que, se ela não aceitava dinheiro, teria de aceitar um presente. Foi lá dentro e trouxe uma caixa. Quando Gabriela abriu, quase não conseguiu acreditar.

Se alguém aí achou que era um maneki neko original japonês legítimo, sinto dizer que se enganou. Era um bonsai. Mas Gabriela sempre sonhou em ter um bonsai, e o colocou em sua agora vazia prateleira acima da televisão. É seu tesouro mais estimado.

Sobre o autor

Guilherme Alves

Nascido numa tarde quente de verão no Rio de Janeiro, casado aparentemente desde sempre, apaixonado por idiomas (se pudesse, aprenderia todos). Professor de inglês porque era a única profissão que parecia fazer sentido, blogueiro porque gosta de escrever desde que a Tia Teteca mandava fazer redação. Coleciona DVDs, tem uma pilha de livros que comprou mas ainda não leu maior que uma pessoa (de baixa estatura) e um monte de jogos de tabuleiro que não tem tempo de jogar. Fanático por esportes, mas só para assistir, porque é um pereba em todos eles. Não se pode ter tudo na vida.

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