Não tenho como descrever o que senti quando o vi. Um medo primal, um frenesi primitivo, como se meu cérebro negasse o que está diante de meus olhos. Por um breve instante, me senti paralisado, mas, não sendo minha primeira vez na África, sabia muito bem o significado de um rinoceronte arrastando seus pés no chão. Virei-me e corri o mais que pude, virando uma esquina um átimo antes de sentir o arrasto do vento criado pela criatura enquanto passava em velocidade por mim. Felizmente, em sua carga, ele não conseguia fazer curvas.
Meu primeiro instinto foi o de seguir pelo corredor por de onde o Rinocerontomem veio, pois, já que ele era a criatura mística que protege o tesouro, o mais lógico seria que a câmara principal estivesse naquela direção. Decidi olhar antes, contudo, na direção para onde ele foi, para não arriscar me posicionar em frente a uma de suas cargas sem ter para onde fugir. Lá estava ele, avançando na minha direção, passos lentos, como se pesasse uma tonelada. O horror que me causava era indescritível, sendo impossível olhar diretamente para ele por mais que meros instantes. Mas eu sabia que, se não saísse dali, fatalmente ele acabaria me alcançando.
Decidi tentar a sorte e seguir por aquele corredor de onde ele havia vindo, correndo o mais que pude. Mal havia entrado no corredor e senti o tremor de seus passos já em uma nova carreira. Mais uma vez, encontrei um corredor lateral no qual me enfiei, a momentos de ver a criatura passando por mim desabalada, cabeça baixa. Aquele chifre poderia me perfurar como um espeto perfura um coelho para que seja assado na fogueira.
Agora, eu definitivamente tinha um problema: o Rinocerontomem estava à minha frente, no caminho que eu desejava tomar. Além disso, cansado, com fome, e com meu lampião começando a falhar, não sabia quantas vezes mais conseguiria me desviar de suas investidas. Ouvi seus passos lentos novamente em minha direção, e comecei a me desesperar. De forma impensada, segui pelo corredor em que estava, até me deparar com outra parede. Era mais um corredor sem saída, e representava meu fim.
Diante da certeza da morte, porém, decidi que tentaria um plano ousado. Já havia percebido que, uma vez em carreira, o Rinocerontomem não conseguia parar facilmente, somente interrompendo seu movimento metros após já ter ultrapassado os corredores nos quais me abrigava. Além disso, os corredores do templo não eram estreitos, cabendo facilmente dois homens caminhando ombro a ombro. Sim, poderia dar certo.
Reunindo toda a minha coragem, voltei até quase o início do corredor, e vi o monstro mais uma vez arrastando seus pés no chão. Imediatamente me voltei para a direção da qual havia vindo, e corri o mais que pude, o mais próximo possível da parede do meu lado direito. Quando estava próximo ao fim do corredor, já sentindo o bafo da criatura me alcançando, me joguei para o lado esquerdo em um salto torto, atingindo a parede com violência. Acho que quebrei o braço, e meu lampião foi irremediavelmente destruído, deixando um rastro de fogo no chão. A criatura, entretanto, teve menos sorte que eu: passando direto por mim, deu de cabeça no muro do final do corredor, em um estrondo capaz de abalar as estruturas do próprio templo, caindo inerte após o choque. Não tive coragem de ir verificar se estava morta, mas, sendo uma criatura mística, imaginava que não.
Desejando encontrar o tesouro antes que o ser grotesco recuperasse seus sentidos, improvisei uma tocha com alguns materiais que ainda tinha na mochila, a acendi no fogo que restou do lampião, e, ignorando a dor em meu braço, segui pelo corredor onde pela primeira vez me vi de frente com o Rinocerontomem. Eu estava certo: a chegar a seu final, não havia mais passagens ou corredores, e sim um amplo salão oval, o centro do labirinto, a sala do tesouro.
De certa forma, entretanto, eu estava decepcionado. Não havia incontáveis tesouros, como na lenda, mas apenas um: um rinoceronte, aparentemente feito de ouro, encrustado de pedras preciosas, no alto de um pedestal. Após verificar rapidamente se não havia armadilhas, o removi de seu local de descanso, guardando-o em minha mochila. Essa seria a prova de que o templo é real, e eu poderia retornar depois com uma equipe e procurar por mais tesouros. Talvez até trazer armas para matar o Rinocerontomem.
Quando me virei para retornar ao labirinto, ouvi um riso. De pé, diante da entrada do salão, estava um homem. Ao me aproximar, vi que era um nativo. Chorando e rindo ao mesmo tempo, ele dizia apenas uma palavra, que reconheci como sendo o termo nativo para “obrigado”. Perguntei a ele, na língua dos nativos, se ele era um prisioneiro do Rinocerontomem, e se eu o havia libertado. Ele deu uma gargalhada e me respondeu. Não consegui entender tudo, mas tive a impressão de que me agradecia por tê-lo libertado. Curiosamente, também dizia que, agora, o problema era meu.
Conforme ele se afastava da câmara, comecei a compreender suas palavras. Meu corpo parecia pesado, minha cabeça latejava.
A última coisa da qual me lembro é de recolocar o ídolo em seu pedestal, enquanto tinha a nítida sensação de que um chifre crescia em meu nariz.