Canto dos contos

Trilogia do João – Episódio II: João, o Matador de Gigantes

Escrito por Guilherme Alves

Nem sempre sair alardeando nossos feitos por aí é uma boa ideia.

Este texto não é uma continuação, mas, mesmo assim, você pode ler o Episódio I aqui.

Era uma vez um rapaz chamado João. Que não é o mesmo João do pé de feijão. Nem é seu parente. É apenas um homônimo. Este João, diferentemente do anterior, não era dono de parque temático, mas alfaiate. Um alfaiate muito pobre, em uma cidade muito pequena. As grandes confecções ofereciam uma concorrência desleal, de modo que João estava sempre endividado. Além disso, por ter uma clientela parca e reduzida, João passava a maior parte do tempo coçando. O que ele coçava não é importante para a história.

Enfim, enquanto esperava por um eventual cliente, João gastava seu tempo jogando Candy Crush. Um dia, preocupado com as contas que estavam vencendo e sem ninguém aparecendo para fazer uma bainha, João não estava conseguindo se concentrar no jogo. Para atrapalhar, surgiram aqueles irritantes bichinhos de luz, que costumam nos atazanar quando está muito quente. Com a cabeça fervendo, perdendo no jogo, e um esquadrão de insetos o atacando, João não estava exatamente calmo. No auge de sua fúria, alcançou uma régua que pousava ao lado de sua poltrona e investiu contra seus agressores.

Em um fato inédito na história da matança de insetos, e graças ao fato de ser uma régua de sessenta centímetros, ao contar os cadáveres, João viu que eram sete. Mais que rapidamente, João alcançou sua cópia do Guinness Book, e conferiu se tratar de seis o maior número de bichinhos de luz mortos de uma vez só com uma régua por uma única pessoa. Praguejando a falta de um auditor do Guinness por perto, João decidiu que não ia deixar esta proeza passar em branco. Como tinha um monte de pano sobrando, João fez uma camiseta especial, onde se dizia “sete com uma paulada só”.

No dia seguinte, João saiu pelas ruas feliz da vida, ostentando sua nova camiseta. Muita gente pensou se tratar do samba-enredo de alguma escola de samba do ano seguinte, afinal, “sete com uma paulada só” não é uma frase que diz muito, mas “sete bichinhos de luz com um único golpe de régua” seria um prejuízo maior que o já combalido João poderia suportar.

Para complementar sua maré de sorte, João recebeu um telefonema para fazer um trabalho em uma cidade próxima. Enquanto se dirigia para lá, porém, o ônibus teve um problema, e João teve de pernoitar em um vilarejo próximo. Ao acordar no dia seguinte, decidiu vestir sua incrível camiseta, para fazer sua proeza conhecida em outras paragens.

Acontece que a pequenina cidade onde João pernoitara estava sendo achacada por um gigante. Que não era o mesmo gigante da história anterior, já que este morrera ao cair do pé de feijão. Também não era um homônimo, mas isto não é importante para a história. De qualquer forma, o prefeito já havia telefonado para um matador de gigantes e, ao ver João com a camiseta onde dizia “sete com uma paulada só”, imaginou tratar-se do próprio, e que João era capaz de matar sete gigantes com uma paulada só. Não me perguntem que torto raciocínio teria levado o prefeito a esta surreal conclusão, mas logo o boato se espalhou, e toda a cidade via em João seu salvador.

Alheio ao que acontecia, João ficou muito contente de ser recebido tão calorosamente, crente de que a notícia de seu feito já havia se espalhado. Somente ao receber um porrete e ser colocado em frente a uma caverna é que ele se deu conta de que não eram exatamente bichinhos de luz que a população queria que ele exterminasse. De dentro da caverna veio uma gargalhada em stereo surround, seguida de um gigante gigantesco, cuja clava fazia o porrete de João parecer um palito de fósforo.

Já que não estava recebendo nada para virar comida de gigante, João largou o porrete e saiu correndo. Divertido pelo homenzinho indolente, o gigante pôs-se a correr atrás dele. Incapaz de fugir em velocidade adequada das passadas de seu algoz, e sentindo que este já preparava a clava para golpeá-lo, João teve uma ideia inusitada: ao invés de correr para longe, correu na direção do gigante, começando a escalá-lo. O gigante, em ato reflexo, começou a golpear o próprio corpo. Isto demonstrou não ser uma ideia das mais brilhantes quando João chegou à sua cabeça, e o gigante acabou por nocautear a si próprio.

Com o oponente fora de combate, João chamou a população da cidade, que levou treze horas o amarrando. Incapaz de achar uma cela condizente com o tamanho do criminoso, o delegado ordenou que se colocassem grades na caverna, e assim o anterior esconderijo do gigante passou a ser sua prisão.

Quanto a João, o ex-alfaiate se tornou uma celebridade instantânea na cidade, e foi nomeado pelo prefeito seu caçador de gigantes oficial. Hoje ele vive com um confortável salário pago pela prefeitura e, enquanto joga Candy Crush, torce para que aquele tenha sido o único gigante da face da Terra.

E todos viveram felizes para sempre.

Sobre o autor

Guilherme Alves

Nascido numa tarde quente de verão no Rio de Janeiro, casado aparentemente desde sempre, apaixonado por idiomas (se pudesse, aprenderia todos). Professor de inglês porque era a única profissão que parecia fazer sentido, blogueiro porque gosta de escrever desde que a Tia Teteca mandava fazer redação. Coleciona DVDs, tem uma pilha de livros que comprou mas ainda não leu maior que uma pessoa (de baixa estatura) e um monte de jogos de tabuleiro que não tem tempo de jogar. Fanático por esportes, mas só para assistir, porque é um pereba em todos eles. Não se pode ter tudo na vida.

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