Viver na sociedade moderna implica, entre outras coisas, em viver muito perto das outras pessoas. Você pode até não saber o nome dos seus vizinhos, mas você certamente conhece alguns de seus hábitos, seu estilo musical, quando é o dia da faxina.
Desde que comecei a trabalhar em home office (já faz 84 anos…), tive a oportunidade de praticar o voyeurismo vicinal – ou, em bom português, xeretar a vida alheia.
A janela do meu home office dá bem de frente para as sacadas do prédio ao lado, então volta e meia rolam uns olhares sem graça e involuntários de lá para cá e daqui para lá. Confesso que sinto-me um pouco constrangida quando são humanos me vendo aqui descabelada e empijamada em frente ao meu notebook – mas não me importo ao ponto de mudar meus trajes.
Porém, tem um desses olhares que eu não apenas aprecio como também correspondo: o do gato do vizinho.
Todos os dias, o gato sobe no parapeito da sacada e fica ali durante horas, tomando sol e observando toda a movimentação ao seu redor. Seu flerte, com seus olhos esverdeados, é tão penetrante e irresistível que não consigo não corresponder. Às vezes, passamos longos minutos observando um ao outro. É como se a gente conversasse só pelo olhar.
Ele é preto com o peito branco, gracioso e cordial. Meu vizinho favorito. Quando olho para a sacada e não o vejo em sua vigília diária, já sinto falta. Ele é uma das minhas poucas companhias neste home office solitário.
Mas, recentemente descobri que ele não é o único. Tem outro gato que mora ali também, um gato acinzentado meio malhado. Este, por sua vez, nada tem de dócil ou de boa praça. É arisco, com movimentos selvagens e olhar furtivo. Raras foram as vezes que o vi – umas três, no máximo. Com este, não rolou sequer um lampejo de amizade.
Mas, eu ainda tenho esperanças. Um dia, ele ainda há de me dar bola e eu terei conquistado mais um coração felino.
Com a dança dos gatos na sacada do vizinho – ou com a rotina diária do Luke, que dorme ao lado da minha mesa -, constatei que a vida do quarentener só é suportável com um pet por perto. Mesmo que nem seja o seu.
Converso com cães, desde sempre. Também gosto de gatos. Antes da pandemia eu brincava com os cães dos vizinhos, agora fico olhando para as nuvens. Não que eu não fizesse isso antes, mas as nuvens não correm na minha direção abanando o rabo.