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Resiliência

Escrito por Leandro Duarte

Já tem tempo que a resiliência é palavra da moda nas vagas do LinkedIn. Até que ponto a gente realmente precisa aguentar calado a chibata no lombo?

Resiliência. Já tem uma cota que essa palavra tem lugar cativo em tudo quanto é vaga de emprego no LinkedIn.

Eu trampo com TI. Por sorte, essa é uma área que tem sofrido bem pouco com esse desastre que é a condução político-econômica da pandemia por parte do governo genocida, tá ligado. Vira e mexe aparecem umas vagas aqui pra mim. Na descrição do perfil desejado, sempre tem essa porra dessa palavra no meio: “Buscamos um profissional resiliente, e disposto a encarar ambiente desafiador”. Resiliência de cu é rola, meu irmão.

Vamos ao dicionário:

Resiliência:
substantivo feminino
Propriedade dos corpos que voltam à sua forma original, depois de terem sofrido deformação ou choque.
[Figurado] Capacidade de quem se adapta às intempéries, às alterações ou aos infortúnios.
[Física] Característica mecânica que define a resistência dos choques de materiais.

Percebe a filhadaputagem desse termo? Resiliência nada mais é, que a capacidade que o trabalhador tem de escutar calado as merdas impostas pelo patrão.

É a romantização do “Vou esfolar esses maluco de tanto trampar, e eles tem mais é que agradecer pelo salário pingando no fim do mês”.

Mano, eu sou privilegiado pra caralho, gosto do meu trampo, tenho um bom salário, em comparação à média salarial do país e, ainda assim, sinto forte no lombo a maldita da resiliência. Agora, imagina os mano que tão lá na obra se fodendo, no campo produzindo, na indústria, na rua vendendo uns barato, em cima das bicicletas levando teu rango do iFood. Ganhando a vida, sobrevivendo apenas, não vivendo. Carregando nas costas o peso dessa resiliência que aprendemos a enxergar como virtude.

Virtude é o caralho, isso nada mais é que a subserviência em tempos de indústria 4.0.

A Poesia de Adoniran já jogava na nossa cara essa subserviência:

“…
Peguemos todas nossas coisas
E fumos pro meio da rua
Apreciá a demolição
Que tristeza que nós sentia
Cada táuba que caía
Doía no coração

Mato Grosso quis gritá
Mas em cima eu falei
Os homis tá cá razão
Nós arranja outro lugar
Só se conformemo
Quando o Joca falou
Deus dá o frio conforme o cobertor
…”

Penso que Adoniran, em Saudosa Maloca, só queria mostrar como o pobre sempre foi colocado nesse lugar de aguentar pancada cantando, e confiar a Deus dias melhores. Duvido que ele desejasse isso pro seu povo. Resiliência.

Tenho pra mim que, por trás destas tristes linhas, ele só queria que a gente lutasse pelo palacete assobradado. E que quando os hômi vierem derrubar nossos sonhos, que não falte táuba na cabeça desses vermes.

Ninguém precisa aguentar calado a exploração de sua força de trabalho, é a gente que produz, é a gente que faz essa porra dessa roda girar. Precisamos entender nosso papel e nossa força, mano. Se o trabalhador tudo produz, a ele tudo pertence, irmão.

Resiliência de cu é rola. Que nosso perfil seja de luta e justiça.

Sobre o autor

Leandro Duarte

Leandro, 33 anos, ganha a vida em projetos e TI, talvez por isso sem a menor paciência para toda essa bobagem nerd e cultura pop. Em resumo, inadequado. Grande demais para a poltrona do ônibus de todos os dias.
Pequeno demais para sorrir de tudo. Velho demais para um banho de chuva; muito novo para temer o resfriado. Direto demais para a palavra escrita, e de menos para se fazer compreender. Humano demais para viver de tecnologia. Humano de menos para largar tudo. Comunista demais para os dias de hoje. Comunista de menos para o que é preciso ser feito.
Mesmo inadequado, segue peleando. Como era de se esperar, falhando miseravelmente.

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