Texto enviado pela leitora Juliana Brito
Quando completou treze anos, ela comprou uma boneca com o dinheiro que ganhou fazendo pequenos serviços domésticos. Ao chegar em casa, ganhou do irmão mais velho uma surra, por ter ousado gastar o seu próprio dinheiro. Esperou, entre soluços e silêncio, pelo retorno do pai, e recebeu deste, outra surra inesquecível. Aprendia assim o que era ser Mulher.
Quando se mudaram para a cidade, depois de venderem a pequena propriedade rural, levava na bagagem a promessa de poder estudar. Conseguiu uma vaga no colégio de freiras, a melhor instituição de ensino da região. Para merecer tamanha dádiva, lavava o chão da escola no contraturno. Olhava com olhos curiosos as alunas ricas, brincando no pátio, sem maiores preocupações. Aprendeu assim, qual era o seu lugar no mundo.
Casou-se cedo. Teve seis filhos. Formou-se somente depois de adulta. Enfrentou o marido para poder trabalhar fora. Suportou, não sem sequelas, a solidão de ser mulher, o dever de acolher e nutrir sem ter a quem recorrer. Em algum momento desejou ir embora? Não podia fugir. Ficou. Aprendeu a resignação.
Sonhava os sonhos permitidos às mulheres do seu tempo: ter uma bela casa; ter um corpo leve e bonito; viajar pelo mundo; ter filhos saudáveis; comer boas comidas; não precisar fazer o serviço da casa; ter roupas bonitas; andar na moda etc. Não passou na prova da realização.
Os filhos possíveis que a admiravam, a casa simples, o acúmulo de tarefas, o corpo pesado e doente, a comida pouca, as roupas baratas, tornaram-se suportáveis para ela, porque, antes ainda de fazer treze anos, descobriu nos livros a possibilidade de ser outras. Somente assim pode ser mulher naquela vida. As lições ainda não acabaram.
Caras, Gleiciara e Heloisa. Obrigada por apreciarem o texto. Histórias como essa me comovem profundamente. Fala de nossas mães, irmãs, avós, cunhadas, noras, sogras, filhas, netas, vizinhas, esposas e de nós mesmas.
Lindo, profundo e triste. Ela foi a mulher que a fizeram ser, não a que sonhou em ser. Seu sonho sendo interrompido desde criança.
Achei lindo e profundo, pois a cada situação vivida foi moldando a pessoa. Talvez não se tornou que queria, mas evoluiu com as dificuldades.