Em uma pequena cidade do interior, moravam dois irmãos gêmeos. Os nomes deles não são importantes para a história. O que importa é que, como eles eram muito grandes, gordos e brancos, seus apelidos eram Moby e Dick.
Moby e Dick tinham 12 anos e eram o terror da escola. Incomodavam todos os outros meninos, colavam chiclete no cabelo das meninas, roubavam a merenda dos menores, colocavam apelidos, enfim, viviam para o bullying. Como seu pai era um importante político da cidade, e sua mãe jurava que, em casa, ambos eram santos, e que todas as reclamações eram perseguições da escola a seus anjinhos, não havia muito o que se fazer. Os outros meninos evitavam Moby e Dick, mas não havia quem nunca tivesse sido atacado por eles.
Um dia, entrou um aluno novo no colégio, chamado Ismael. Ismael era pequeno e franzino, mas muito inteligente, o que fazia com que ele tivesse dificuldade em fazer amigos. Logo em seu primeiro dia, seu primeiríssimo diálogo com Moby e Dick foi o seguinte:
– Qual seu nome?
– Me chamam Ismael. Quantos anos vocês têm?
– Doze.
– Seis cada ou 24 no total?
E bastou. Dizendo que Ismael queria ser “engraçadinho”, Moby e Dick decidiram que iriam fazer dele seu novo alvo preferencial. A vida do menino virou um inferno, ao ponto de ele, sempre tão assíduo e estudioso, não querer mais frequentar a escola.
Ismael ouviu todos os conselhos sobre bullying possíveis: é só ignorar que passa (não passava), quem faz bullying é porque não gosta de si mesmo e faz com os outros antes que façam com ele (não servia de consolo), e, o mais legal de todos, é só enfiar a porrada que eles param, o que era impossível porque Ismael devia pesar uns 30 kg, e os irmãos, juntos, provavelmente pesavam mais de cem. Tentando ajudar, a escola fez um teatrinho sobre bullying, mas a emenda ficou pior que o soneto, pois Moby e Dick passaram a usar todos os exemplos da peça contra suas vítimas.
Um dia, Ismael conseguiu um estranho aliado: Ahab, um menino de família árabe que havia sido vítima de Moby e Dick no passado. Durante uma briga feia, um dos irmãos mordeu a perna de Ahab, e sua mãe, revoltada, decidiu tirá-lo da escola e se mudar para outro bairro. Ahab nunca esqueceu a ofensa, porém, e vivia procurando uma forma de se vingar de suas nêmeses. Ao ver que Ismael era muito inteligente, propôs que ambos se unissem para derrotar os irmãos para sempre.
Ahab sabia de cor toda a rotina dos irmãos – durante anos, pesquisou suas vidas, sempre tentando encontrar um ponto fraco ou uma oportunidade de vingança. Com a ajuda de Ismael, Ahab conseguiu o plano perfeito: ambos iriam atacar os irmãos durante a natação, no Clube Pequod, roubar suas roupas e obrigá-los a voltar para casa pelados. A humilhação que sofreriam seria troco suficiente para uma vida inteira de bullying.
No dia estipulado, tudo corria de forma perfeita. Ahab e Ismael conseguiram entrar nos vestiários sem que ninguém visse, e, enquanto Moby e Dick estavam no banho, roubaram as roupas dos irmãos. Ao ver a vingança tão próxima, porém, Ahab enlouqueceu, e quis retribuir a mordida que um dos irmãos lhe havia dado. Abrindo a porta do chuveiro, investiu contra seu inimigo, mordendo sua perna com toda força.
Com o berro de Moby, Dick abriu a porta de seu chuveiro para ver o que ocorria, e viu Ismael ainda correndo levando suas roupas. Ao perceber que Ahab estava agarrado à perna de seu irmão, porém, decidiu ajudá-lo a se livrar do mordedor. Temendo que o pior pudesse acontecer a seu amigo, Ismael voltou ao vestiário trazendo um professor, que salvou Ahab de ser afogado no vaso sanitário.
Mesmo após quase morrer, Ahab não desistiu de sua vingança, e continuou chamando Ismael para seus planos. Vendo que aquilo não ia dar certo, Ismael decidiu se afastar do amigo, focar em seus estudos, e, após concluir o colégio, ganhou uma bolsa para fazer faculdade na Europa. Moby e Dick continuaram fazendo bullying com todo mundo, sempre tendo sua cara livrada por seu pai político, e atualmente são vereadores. De Ahab ninguém nunca mais soube. Dizem que, até hoje, ele conta a história de como quase se vingou da baleia branca que mordeu sua perna.