Desacato

Era uma casa quarentenada

Escrito por Leandro Duarte

Em uma casa quarentenada, você tem a oportunidade de olhar pra dentro e perceber em que pode melhorar

Era uma casa quarentenada,
Com a família inteira trancada.
Ninguém podia ir pra rua não
Não vale o risco, não seja cuzão!

Ninguém ouvia o presidente
Filho da puta, verme imprudente.
O mundo chora e ele ri
Espero ansioso sua cabeça cair.

E não importa empresário aos berros
Economia é meu ovo, dinheiro eu recupero.

Tá foda, né, irmão. Não aguento mais essa porra de quarentena, tá tendo até paródia de poeminha da infância pra espantar o mal e seguir por mais um dia limpo. E o mal que tá na gente, parceiro.

Na minha vida inteira, não consigo me lembrar de um período em que tivesse tanto tempo pra raciocinar como tenho agora. A rotina te faz esquecer as paradas, esquecer de analisar quem é a pessoa que mora dentro de você. Quem é verdadeiramente esse cretino que você chama de “eu mermo”.

Este exercício de entender quem é o “eu mermo” é assustador, tem um par de merda que a gente faz sem nem perceber. Quantas vezes a gente é pau no cu de graça, só porque acordou de mau humor, quantas vezes a gente deixa uma luta importante de lado, só pra virar de lado e continuar a emburrecer na frente do celular?

Perceber quem é o cretino que habita cada um de nós, minimamente, vai te tirar do conforto. Você pode seguir sendo um merda, mas pelo menos será um merda incomodado com o próprio cheiro.

Se nem com o cheiro de fossa invadindo sua casa quarentenada você for capaz de entender que precisa melhorar, truta, JB é seu presidente e vocês dois têm mais é que se foder mesmo.

Fique em casa, saia apenas se for necessário. Lave as mãos. Lave uma louça também, aproveite o tempo pra olhar pra dentro de você, não seja um merda que espalha chorume e notícia falsa por aí.

Abrace quem você ama, mesmo que seja à distância.

Por fim, todos os dias ao acordar, se lembre que a mula de Brasília tá pregando aos quatro ventos que você tem o dever de eventualmente morrer, com a missão salvar a economia, o Justus e aquela cambada de playboy que te explorou a vida inteira. Toda riqueza é produzida pela classe trabalhadora, irmão, entenda isso.

Sobre o autor

Leandro Duarte

Leandro, 33 anos, ganha a vida em projetos e TI, talvez por isso sem a menor paciência para toda essa bobagem nerd e cultura pop. Em resumo, inadequado. Grande demais para a poltrona do ônibus de todos os dias.
Pequeno demais para sorrir de tudo. Velho demais para um banho de chuva; muito novo para temer o resfriado. Direto demais para a palavra escrita, e de menos para se fazer compreender. Humano demais para viver de tecnologia. Humano de menos para largar tudo. Comunista demais para os dias de hoje. Comunista de menos para o que é preciso ser feito.
Mesmo inadequado, segue peleando. Como era de se esperar, falhando miseravelmente.

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