Pensamentos crônicos

Spoiler

Escrito por Guilherme Alves

Spoiler: o mocinho morre no final. Mas ninguém precisa saber antes.

A internet é uma ferramenta maravilhosa. Quer aprender aquela receita de bife wellington que falaram na série que você assiste? Tá lá. Quer aprender dzongka, mas não conhece ninguém nascido no Butão? Tá lá. Quer saber qual a idade do Sílvio Santos? Tá lá também. Tudo ao alcance de um clique e por apenas uma fração do custo e tempo despendido para realizar a mesma tarefa há uns trinta anos.

Infelizmente, a internet também tem um lado ruim, porque ela é uma ferramenta, e ferramentas podem ser usadas para o bem e para o mal. E um uso para o mal frequente nos últimos tempos é a divulgação de spoilers.

Se você vivia numa caverna e não sabe o que é spoiler, é quando alguém conta algum detalhe de uma história que você ainda não conhece e, com isso, tira pare da graça que teria quando você fosse conhecê-la. O termo vem do verbo inglês to spoil, que significa “estragar”; em outras palavras, quem dá spoiler está estragando a história para os outros.

É claro que existe uma, digamos, tolerância. Dizer que Darth Vader é pai de Luke Skywalker ou que a Diadorim é mulher já não podem ser considerados “estragar a história”, porque são fatos já extensamente debatidos, de conhecimento público, por assim dizer, mesmo que ainda haja quem nunca consumiu essas obras. Não dá para comparar, por exemplo, com o que aconteceu no último episódio de The Mandalorian, quando a cena final estava sendo comentada nas redes sociais menos de uma hora depois de a Disney disponibilizá-la para que os assinantes o assistissem.

Eu me lembro de quando Game of Thrones estava no ar, um amigo meu colocou no Facebook, enquanto os créditos ainda estavam rolando, uma foto que ele tirou com o celular da cena final de um episódio. Eu reclamei que só poderia assistir ao episódio no dia seguinte, e o argumento dele foi que “o livro é de 2000, a história é antiga”. Ok, mas a maior parte das pessoas que estavam assistindo não conhecia a história – e é justamente isso que caracteriza o spoiler.

Alguns atribuem os spoilers à “era da gratificação instantânea”, alegando que, nessa época em que vivemos, tudo tem que ser consumido o mais rapidamente possível. Se você não viu um filme no dia da estreia, se não assistiu ao episódio da série assim que ele passou, se demorou muito para ler um livro, bem, a culpa é sua. Deveria ter ficado longe das redes sociais, desconectado até corrigir esse erro, não pode reclamar de quem deu spoiler. Já eu não entendo que fogo no rabo é esse – perdoem o meu francês – que a pessoa vê o negócio e não consegue se controlar, tem que sair contando pra todo mundo. Entendo querer debater com os amigos, discutir a cena tal, mas não sair expondo nas redes sociais. Não consigo enxergar qual gratificação a pessoa possa ter com isso.

Outra coisa que eu não entendo são aqueles que desdenham do spoiler. Já li que “tem mais graça quando a gente sabe o que vai acontecer”, que “se o filme depende de uma surpresa, é porque ele não é bom” e até que “só reclama de spoiler quem gosta de ‘filme de bonequinho’, porque quem gosta de ‘filme de verdade’ nem liga”. Não sei o que comentar sobre essas afirmações, apenas que, assim como tem gente que gosta de jiló e gente que não gosta de chocolate, é injusto achar que quem não gosta de spoiler está errado para justificar o comportamento de quem faz.

Pra mim, spoiler tem a ver não com gratificação, mas com egoísmo. Se você pôde se deleitar com o que ocorreu na história, por que tirar o direito de quem ainda não sabe o que vai acontecer? É como se quem dá spoiler estivesse dizendo “eu posso aproveitar, vocês não”. E o egoísmo, aí sim, é a marca dessa época em que vivemos. Podem reparar, a maioria dos discursos hoje, de emprego à vacina, contém alguma variação de “se está bom pra mim, não quero saber dos outros”.

E isso, infelizmente, diz muito sobre a nossa sociedade. Se não conseguimos guardar um detalhe de uma história para não incomodar os outros, como cobrar civilidade?

Sobre o autor

Guilherme Alves

Nascido numa tarde quente de verão no Rio de Janeiro, casado aparentemente desde sempre, apaixonado por idiomas (se pudesse, aprenderia todos). Professor de inglês porque era a única profissão que parecia fazer sentido, blogueiro porque gosta de escrever desde que a Tia Teteca mandava fazer redação. Coleciona DVDs, tem uma pilha de livros que comprou mas ainda não leu maior que uma pessoa (de baixa estatura) e um monte de jogos de tabuleiro que não tem tempo de jogar. Fanático por esportes, mas só para assistir, porque é um pereba em todos eles. Não se pode ter tudo na vida.

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